Sérgio Serapião

Sérgio Serapião

Lab60+ / Labora / Fellow Ashoka

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Sem querer atribuir uma idade a um fazer ou a um estilo de vida, isso se trata de ter consciência de quem eu sou e dos limites que eu tenho na minha idade atual, e ver a beleza disso.

Sérgio Serapião

Em 2023, mais de 4 milhões de trabalhadores com 60 anos ou mais estavam na informalidade. Esse número inclui aqueles que nunca tiveram carteira assinada e aqueles que se aposentaram e voltaram ao mercado como informais. A informalidade é o caminho para os 60+? Quais as barreiras para a permanência ou retorno dos 60+ ao mercado formal de trabalho?

Sérgio Serapião: A gente tem que entender que, para além da inclusão dos 60+, a gente está passando por uma grande transformação no mercado de trabalho como um todo, no Brasil e no mundo, com avanço muito rápido da digitalização, que foi acelerada ainda mais pela Covid. As cadeias de valor estão se transformando muito rápido e os vários setores estão em plena ebulição, muitos deles desaparecendo. Isso faz com que tenha uma grande transformação no mercado de trabalho.  Se antes os segmentos eram mais estruturados e os ciclos econômicos eram mais bem traçados e mais longos, agora um ciclo de crescimento e finalização de determinada tecnologia, de determinada patente de um setor, ele tende a diminuir bastante. Isso faz com que a vantagem competitiva das empresas também fique super em risco. Isso é muito diferente do ambiente em que foram construídas as nossas leis trabalhistas. O próprio conceito de emprego foi construído num outro ambiente em que os planos podiam ser muito mais longos, as tecnologias demoravam menos tempo para ficarem defasadas, então havia possibilidade de investimento e de repagá-lo durante muitos anos. Então, nesse lugar em que era tudo muito longo prazo, você ter um funcionário, ou seja, alguém que cumpre uma função que você desenvolve e que seu tempo de relacionamento é indeterminado, faz sentido. Agora, quando os tempos ficam super curtos e super incertos, relações com prazo indeterminado começam a ficar muito em cheque. Ou seja, o emprego, como a gente conhece, ele está em crise. Acho que essa é que é a grande crise. O Brasil foi muito competente com alguns avanços de legislação para reconhecer e tirar pessoas da informalidade no passado. O próprio projeto do Simples de reconhecer microempreendedores foi muito importante. Agora a grande discussão é como que se reconhece os nanoempreendedores. Estamos nesse processo e todo mundo que, de alguma forma, tem em risco a sua empregabilidade, seja porque é um grupo minorizado, seja porque realmente ficou defasado, tende a não pertencer a esse grupo de elite que vai continuar tendo trabalho. O trabalho que eu digo é emprego, emprego CLT. Aliás, se a gente olhar a CLT e é uma massa muito limitada de pessoas, historicamente, só estamos passando por uma restrição ainda maior.  É muito difícil essa constatação, mas a idade passa a ser um fator de desigualdade e um marcador identitário que transforma as pessoas em grupos minorizados e que, sim, aumenta o potencial delas de serem afastadas desse clubinho chamado CLT num mundo cada vez mais incerto. Então, eu não diria que a informalidade é o futuro dos trabalhadores 60+. Mas, certamente, modelos alternativos ao CLT sim, seja empreender, seja microempreender, seja nanoempreender, seja absolutamente informal.
Senhor negro de cabelos e barba brancos dá um sorriso largo, enquanto acena

Pesquisas apontam que a resistência de manutenção e contratação dos 60+ são embasadas na ideia de que os mais velhos têm dificuldade com tecnologia e resistência para serem liderados por pessoas mais jovens. Isso é idadismo?

Sérgio Serapião: Sem dúvida, a percepção de não-covalência e a ambiguidade entre tecnologia e idade, óleo e água, né? Isso é um baita de um preconceito. Tem muita gente jovem que odeia a tecnologia, que não sabe lidar com isso. Tem pessoas mais velhas que são o contrário. Isso não é um fator de idade. Agora, por outro lado, quem é uma pessoa nativa digital não percebe vários aspectos de tecnologia como sendo afastados do seu mundo, porque sempre conviveu com aquilo ali. Talvez a babá dela tenha sido o iPad. Essa proximidade pode favorecer as pessoas, não necessariamente o faz.  Se a gente percebe que o idadismo que vincula a tecnologia à juventude, ele faz com que, na verdade, os espaços de aprendizagem de tecnologia… E aí estou falando de linguagens de programação que não está no dia a dia das pessoas ou de desenvolvimento tecnológico sem código, isso tudo tem que ser aprendido, né? Ou as próprias ferramentas de trabalho, isso tudo tem que ser aprendido. Então, essa tecnologia que a gente tem que aprender para trabalhar não pertence à juventude e nem pertence aos mais velhos. Ela é ensinada e a gente não tem nenhuma evidência de que tenha uma limitação por causa da idade.   Nós temos um projeto grande, por exemplo, com a Oracle e o aproveitamento dos alunos jovens comparados com os mais velhos, que a gente coloca na plataforma de 50+, o dos mais velhos é muito superior ao dos jovens. Então, se os mais velhos fossem inaptos, eles não estariam aprendendo ali. O que ocorre, na minha experiência, é que os ambientes de aprendizado são desenhados para os mais jovens – seja os ambientes, os exemplos, a forma de ensinar. Daí é difícil a pessoa mais velha aprender. No minuto que a gente desenvolveu alguns projetos para os 50 mais, com acompanhamentos específicos e com referências de aprendizagem específicas, as pessoas aprendem muito bem e têm performance muito boa.

Quais as consequências do autoidadismo para a autoestima, performance, produtividade e engajamento dos 60+?

Sérgio Serapião: O preconceito com a idade vem de uma construção cultural. E uma construção cultural é algo que une um grupo de pessoas. Se no Brasil nós somos idadistas, independente da minha idade, eu vou ter uma tendência a ser idadista, a não ser que eu me conscientize para o assunto. Então, pessoas mais velhas tendem, se não passarem por processos de conscientização e letramento sobre o tema, tendem a ser também idadistas. É muito comum uma pessoa mais velha que esteja bem de saúde, ativa na sociedade, ter uma série de receios se você a chama de uma pessoa idosa ou velha, mesmo que ela tenha 60 anos, 70 anos. Ela vai argumentar que ela não. “Eu estou muito bem. Olha só como eu estou trabalhando, como eu estou ativo, como eu estou correndo. Eu não sou velho não, né?”  Isso é uma atitude super comum, absolutamente disseminada na sociedade, seja para homem, seja para mulher, e independente da classe social também. Isso faz com que a pessoa autoidadista, claro, não se reconheça com a idade que tem e, logo, não se reconheça nas potências que tem, porque vai ficar se referendando à idade que ela não tem ou o tempo de vida que já passou. Esse é o grande risco porque você não vive plenamente a idade que você tem. Você fica fingindo tanto para os outros que você é dez, vinte anos mais novo, que você acaba acreditando que você é jovem por mais tempo, como alguns falam. Isso faz com que provavelmente você não viva os melhores ativos que você tem construído com a idade, ou que você continue a fazer coisas que talvez seu corpo já não permita tanto e você vai se machucar.  Sem querer atribuir uma idade a um fazer ou a um estilo de vida, isso se trata de ter consciência de quem eu sou e dos limites que eu tenho na minha idade atual, e ver a beleza disso. As belezas do que eu posso fazer e as belezas do que eu não posso mais fazer. Então acho que esse é o grande risco, né? Quando a gente não tem consciência. E a consciência não vem com a idade, vem com a intencionalidade de você desenvolver essa consciência, você tipicamente vai ser absorvido pela cultura em que você vive. Se a gente vive uma cultura idadista, você provavelmente será idadista.

De qua maneira a Labora colabora para abrir espaço para os 60+ no mercado de trabalho?

Sérgio Serapião: Olha, a Labora surgiu do movimento Lab60+, o qual eu fundei e percebi, ao conviver com pessoas de muitas idades, mas especialmente pessoas acima de 50 anos, que havia muita potência ali e muita frustração por estarem sendo excluídas de diversas formas, seja no ambiente de trabalho, seja no mundo social, seja até dos planos de saúde, né? Então a Labora nasceu com essa incumbência de promover uma inclusão produtiva a partir das potências que a gente desenvolve no nosso curso de vida, que provavelmente não estão escritas e que, por vezes, não temos nem consciência de que se tem um diferencial perante outras pessoas. É menos sobre o cargo ou a faculdade que eu fiz e mais sobre a vida que eu tive, as experiências e como eu articulei as experiências. Ou seja, a gente começou a desenvolver a possibilidade de cruzar os desafios que o mundo profissional está tendo com a oferta de soft skills que as pessoas têm e que não é exatamente a oferta do profissional que ela foi. Para o profissional que ela foi talvez não tenha mais espaço no mercado, porque o mercado está mudando muito rápido. Mas a pessoa que ela é, com as experiências que ela viveu e construiu, talvez tenha algo que o mercado precise muito. Isso precisa por vezes ser um pouco lapidado e passar por um processo de conscientização da própria pessoa.  Então, o que a Labora tem feito? Trazido essa consciência para as pessoas e para o mercado de que tem muita potência, muitos diferenciais na diversidade geracional que vai muito além do currículo. E vai além dos “job description” que estão nas empresas, que também foram formatados para pessoas mais jovens e para identificar o potencial das pessoas a partir dos currículos delas. A gente busca quebrar a forma tradicional de se identificar o que é um talento e de onde buscar soluções e profissionais. Se a gente não quebrar a engrenagem de identificação de talento, processo seletivo e avaliação de pessoas e, por outro lado, não humanizar as próprias pessoas a partir das suas experiências e não da sua vida profissional apenas, essa equação vai ser mais difícil de fechar.  Essa é a mensagem que a gente busca passar com exemplos concretos, co-construindo com o mercado novas posições de trabalho que passam a ser realizadas por equipes intergeracionais, que não existiam e que passam a dar as mãos umas com as outras para ter melhores resultados para as empresas e também para as pessoas, com qualidade de vida e realização. Então é uma um processo de transformação mesmo e criação de novas possibilidades de viver, conviver e se realizar.

Qual a importância e vantagens de investir em equipes intergeracionais?

Sérgio Serapião: Aqui a gente tem uma série de pesquisas que realmente já fornecem dados suficientes para nos dizer o quanto a diversidade como um todo amplia as possibilidades de novas soluções e a criatividade. No fundo, amplia o rol de soft skills que um time pode ter. E a geracional é a exponenciação das diversidades. Uma pessoa na equipe intergeracional, ela vai ter formas de pensar diferentes. Então, gerações pensam, foram formatadas pelo contexto em que elas cresceram. Uma geração digital, por exemplo, é muito diferente o jeito de pensar de uma geração X que é muito mais organizado racionalmente e em caixinhas. Você tem uma ampliação das possibilidades de solução, criatividade e, principalmente, um suporte emocional que talvez a experiência de alguém mais velho complemente a experiência de alguém mais jovem em situações, enfim, ou que um já viveu ou que o outro esteja vivendo. Então, acho que aqui tem uma série de dados. A gente tem visto empiricamente nos nossos projetos que realmente não é simples você criar um ambiente intergeracional positivo. Mas quando ele se forma, ele é realmente muito positivo. Então, sem dúvida, vale a pena investir nisso.

A gente tem visto empiricamente nos nossos projetos que realmente não é simples você criar um ambiente intergeracional positivo. Mas quando ele se forma, ele é realmente muito positivo. Então, sem dúvida, vale a pena investir nisso.

Senhora 60+ conversa animadamente com um jovem

Quais aprendizados a Labora pode compartilhar com setor público?

Sérgio Serapião: Acho que o nosso grande aprendizado é que a questão de diversidade geracional, mais do que a questão de idade, ela está muito ligada a uma mudança no modo de trabalhar que hoje a gente vive e tende a viver nos próximos anos. Então, o tal do futuro do trabalho, ele tem que ser pensado a partir da diversidade geracional. São dois movimentos que estão acontecendo muito rápido na sociedade, tanto a mudança de tecnologia como a mudança demográfica. Então, para políticas públicas, a gente já precisa rever as formas de contrato e o que é trabalho e emprego.  Não é uma questão de simplesmente abolir a CLT, que foi pensada num contexto muito mais estável e de muito menos mudança na década de 40, claro, com todas as suas atualizações. Mas é como a gente pensar uma empresa que foi pensada na década de 40, que está atualizada. A gente precisa também criar uma nova startup, ou seja, uma nova legislação que seja pronta para o momento atual. Então, assim como foi muito bem-sucedida toda a legislação criada para o empreendedorismo individual, que é um enorme ganho que o Brasil teve, a gente precisa ver o que que é essa nova forma de contratação em que pessoas de diferentes idades poderiam estar trabalhando, mas não perdendo seus benefícios. Provavelmente gira em torno de um nanoempreendedorismo, ou seja, um trabalhador de plataforma.  Mas que tipo de benefício que precisaria ter? Como é que a gente vai construir uma cama, um colchão de segurança social para todo mundo e também não deixar a sua individualidade apenas? E isso é o que a gente tem buscado fazer e testar na Labora, esse ambiente. É criar trabalhos “flex”, mas ao mesmo tempo criar alguma espécie de suporte, principalmente coletivo para o indivíduo e para os diferentes profissionais associados com ambientes para que eles possam continuar se desenvolvendo e de uma forma gratuita. É vincular o trabalho a indicadores de desenvolvimento de saúde e não apenas à geração de renda. Acho que a questão da saúde vem antes até do que a geração de renda. E, por fim, criar ali uma rede, uma comunidade de apoio. Acho que aqui tem bastante aprendizado e possível ambiente de troca para gente realmente evoluir para novos tipos de contrato, novos tipos de suporte social. Não seria um “Welfare State”, seria um “welfare community” que a gente estaria criando. Além da possibilidade de incentivo à contratação e além de uma possibilidade de um regramento para toda a instituição financeira, seguros de vida, de acidente, de saúde, crédito, como que isso vai se atualizar para uma sociedade muito mais longeva? Numa sociedade que está mudando muito rápido e que está envelhecendo e vivendo mais, a gente vai precisar de políticas públicas para criar ambientes de aprendizagem. Então a gente vai precisar incentivos, muito provavelmente públicos, para criar ali um colchão ou uma universidade pública voltada efetivamente para 50+ se transformar. Ou seja, para as pessoas fazerem as transições de carreira.

O mapeamento reúne mais de 400 iniciativas de todos os setores que estão ajudando a repensar a longevidade no Brasil. O que precisa acontecer para que a sociedade crie mais demanda por soluções que viabilizem e valorizem as contribuições de pessoas de todas as idades?

Sérgio Serapião: Um dos desafios de se falar em longevidade é o baixo nível de conscientização para o tema. O contorno do tema longevidade ainda comporta vários “tons de cinza”, com entendimento difuso sobre o mesmo, dependendo de para quem se pergunta. E o risco ainda maior é que as iniciativas que se identificam com o tema, usualmente estão atuando na verdade com envelhecimento, a partir das perdas e escassez que viriam associadas ao tempo de vida.    Na experiência do Lab60+, conseguimos ultrapassar esses desafios ao adotar o mantra do Procopó (agenda propositiva, colaborativa e positiva) e ao articular uma rede de pessoas ativistas que não necessariamente se definem como atuantes em longevidade, mas sim, em temas que tangenciam e /ou atravessam a questão geracional, tais como educação, trabalho, moradia, sexualidade etc. Por fim, entendemos que ninguém tinha a resposta e estimulamos que novas soluções fossem cocriadas por essa rede que se formava. A criação e fomento de redes, eu as vejo como essenciais para realmente ternos novas ideias e iniciativas que promovam saúde, inclusão e protagonismo por toda vida.

A criação e fomento de redes, eu as vejo como essenciais para realmente ternos novas ideias e iniciativas que promovam saúde, inclusão e protagonismo por toda vida.  

Você se identifica como um agente de transformação do mundo? Se sim, como é envelhecer nesse papel?

Sérgio Serapião: E eu acredito que todos somos agentes de transformação do mundo. Eu e todo mundo. Acho que isso é um processo de conscientização, mais do que uma habilidade única que alguém tenha. A gente precisa se conscientizar sobre quais são as nossas habilidades, quais são os nossos potenciais papéis. E quando a gente se conscientiza disso, realmente a gente começa a fazer a mudança. Envelhecer nesse mundo significa colocar à disposição essa potência que eu sou e que cada um de nós é. E para isso eu preciso estar pleno, buscar talento, buscar entender que o processo de envelhecimento significa que essas potências minhas vão se transformando dia a dia. Umas surgindo e outras vão se esvaziando. Então, o que eu era há 15 anos atrás não é o que eu sou hoje, nem o que você é daqui a cinco anos ou dez anos. E esse processo de envelhecimento e de conscientização da minha transformação me permite que eu continue como agente de transformação em papéis diferentes e fazendo coisas diferentes e com tópicos diferentes que vão me tocar a cada momento diferente da minha vida. E acho que essa é a beleza da vida: a gente estar contribuindo e sendo agente de transformação e sendo transformado.
Sérgio Serapião

Sobre Sérgio Serapião

Sérgio Serapião é empreendedor social e Fellow Ashoka. Atua há +14 anos com longevidade, cofundador e diretor da Labora, primeira startup voltada para ativar a potência de talentos seniores para atuarem em novos modelos de contrato em profissões do futuro, solucionando desafios de empresas e sociedade. Fundador do Movimento LAB60+, laboratório social colaborativo que busca soluções práticas para a co-construção de um mundo mais longevo. Membro do conselho deliberativo do Sistema B Brasil.

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