Alexandre da Silva

Alexandre da Silva

Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa

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O que a gente tem aprendido é isso. Há muitos direitos que as pessoas idosas talvez ainda não tenham percebido que elas têm tamanha é, muitas vezes, essa condição histórica de vulnerabilidade, de violências que são perpetuadas contra elas.

Alexandre da Silva

Como é estar à frente da Secretaria de Direitos Humanos do grupo etário que mais cresce no Brasil? Quais são os desafios?

Sr. Secretário Alexandre da Silva: Olha, é uma alegria ao mesmo tempo uma grande responsabilidade, sabe? Porque envelhecer é pensar o futuro. Não é só a gente rememorar o passado. Pensar nesse grupo que mais envelhece é entender como as políticas, os espaços, as relações, a cultura, tudo precisa de fato se envolver e fazer parte de uma perspectiva de pessoas mais velhas, de um envelhecimento. É preciso que o envelhecimento tenha o mesmo respeito e a mesma importância que qualquer outra fase da vida tem. Então, eu acho que o desafio é estar nessa secretaria num momento tão importante, no qual o Brasil vem envelhecendo e vai envelhecer cada vez mais, e a possibilidade de criar ações que vão se consolidando para de fato serem a base, o alicerce do que vai ser construído daqui para frente.
Senhor negro, de barba e cabelo já grisalhos, está correndo ao ar livre

E o território? O território influencia diretamente o modo como cada brasileiro está envelhecendo? Como a secretaria está avaliando o nível de garantia de direitos humanos das pessoas idosas nos estados e municípios do país? Considerando a política Envelhecer nos Territórios, o que vocês aprenderam até agora?

Sr. Secretário Alexandre da Silva: Pensar os territórios para gente é algo extremamente urgente, necessário e óbvio. O território é onde nós estamos. A gente está conversando, quem está lendo essa matéria, estamos todos em algum território. Esse território é parte da gente. A gente é parte do território também. Então, esse território, enquanto espaço vivo, ele precisa ser valorizado, validado e tudo o que está nele: crenças, valores, as pessoas e o processo de envelhecimento. O nosso programa Envelhecer nos Territórios visa justamente garantir essa possibilidade de envelhecer nos territórios com a presença de tudo aquilo que está lá. E se o território hoje não garante um bom envelhecimento, que nós possamos garantir isso, que as pessoas tenham os seus direitos, eu vou dizer até descobertos e alguns reforçados. E que não só as pessoas idosas queiram envelhecer ainda mais nesse território, mas que também as pessoas não idosas queiram um dia ser pessoas idosas nesses espaços.

O que a gente tem aprendido é isso. Há muitos direitos que as pessoas idosas talvez ainda não tenham percebido que elas têm tamanha é, muitas vezes, essa condição histórica de vulnerabilidade, de violências que são perpetuadas contra elas. Então, há muito que elas já sabem: o direito à saúde, a questão do trabalho. Esses são direitos que elas já reconhecem há muito tempo. Mas o que a gente quer ampliar é também a percepção da importância de um letramento em envelhecimento para todos os atores sociais presentes ali, sejam gestores de prefeitura, sejam acadêmicos, sejam profissionais das mais diversas áreas que atuam em relação à pessoa idosa. É necessário que a gente garanta o conhecimento, o letramento em envelhecimento e em pessoas idosas e eu estou querendo destacar esses dois pontos.

A gente está falando então de uma de uma cultura do envelhecimento, da longevidade, que seja partilhada por todos esses atores, para que todos possam reconhecer, proteger e ampliar os direitos das pessoas idosas nesses territórios?

Sr. Secretário Alexandre da Silva: Sim, é disso. E no fundo, a base de tudo isso tem um pouco ou um tanto do capitalismo. O capitalismo hoje que pensa quem produz e quem consome, quando vê pessoas idosas ainda por uma perspectiva mais antiga, tenta colocar a pessoa de 60 anos ou mais para fora do cenário, excluindo-as do papel de cidadão ou de cidadã. A depender do caso, as exclusões em alguns espaços coletivos podem começar a partir dos quarenta. Então, quando a gente está falando dessa revolução da longevidade, dessa perspectiva, é justamente pensar que todas as políticas públicas existentes no nosso país, ou no mundo até, elas precisam convergir para o envelhecer. Se eu estou pensando em qualquer marcador, seja de gênero, de raça, étnico, social, de tipo de trabalho, todas as políticas que são construídas a partir desses indicadores, todas elas precisam convergir para garantir que se chegue à longevidade. Isso porque o contrário é morrer. Morrer é o fracasso, certo? Então, você precisa garantir que as pessoas possam viver e viver bem com direitos assegurados.

E qual que é o papel dos conselhos das pessoas idosas nessa equação? Como você avalia a representatividade e atuação dos Conselhos das Pessoas Idosas nos territórios? Como é a interface da secretaria com eles?

Sr. Secretário Alexandre da Silva: O papel do Conselho é fundamental quando a gente está falando de participação social. Então, veja, para muitas pessoas que residem no Brasil, algumas coisas parem meio óbvias. Parece meio óbvio que as pessoas idosas hoje tenham prioridade em alguns serviços. Parece meio óbvio que o Brasil garanta condições para grupos sociais que têm uma privação socioeconômica. E parece óbvio que o nosso país seja democrático e tenha a participação social, mas isso ficou muito ameaçado nos últimos anos. A gente percebeu isso. Os conselhos em geral foram muito afetados, muito agredidos.  Então, nessa gestão, o que a gente faz é retomar a conformação que estava antes, que eram 14 representantes da sociedade civil e a gente amplia em mais quatro. Esse já é um marco histórico dessa gestão. É a primeira vez que você tem para a pauta da pessoa idosa a inclusão de quatro assentos que vão garantir uma maior possibilidade de debate sobre essa diversidade. Então a gente coloca um assento para pensar a questão de gênero e da representação das mulheres, igualdade racial, povos indígenas e população LGBTQIA+. Isso para o envelhecimento é muito importante. Esses grupos não estão experimentando da mesma forma, na mesma intensidade, na mesma proporção, o processo de ser uma pessoa idosa.

O desafio maior é que o Conselho Nacional consiga incorporar essas pessoas, essas presenças, essas representatividades, dentro daquilo que já era falado sobre pessoa idosa e daquilo que precisa ser falado sobre pessoas idosas.

A gente espera que essa aproximação da Secretaria Nacional de Direitos da Pessoa Idosa com o Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Idosa possa levantar a pauta da pessoa idosa, pensando nas ações, pensando nos programas, pensando em projetos, pensando nas leis, garantindo esses direitos. E que essa aproximação também possa reverberar na aproximação dos gestores estaduais e Conselhos Estaduais da Pessoa Idosa e entre Conselhos municipais e gestores municipais da pessoa idosa ou mesmo de gestores de áreas afins, que acabam sendo todas já que qualquer ponto que fale das pessoas idosas precisa ser transversal.

E como é a participação da pessoa idosa nesse processo todo? Com relação ao voto a partir dos 70 anos por exemplo, como você vê esse momento em que o voto deixa de ser obrigatório?

Sr. Secretário Alexandre da Silva: Tem um ponto que já é positivo antes mesmo dessa gestão estar aqui. Historicamente, as pessoas idosas votam! Só para você entender numericamente, hoje nós somos 15,8% de pessoas idosas. Esse número já foi menor em anos anteriores, mas quando a gente olha para o TSE, a gente vê que a proporção de pessoas idosas que votam sempre foi superior a 20%. 

Um casal de 60+ se abraça sorrindo.

Ou seja, as pessoas idosas sempre votaram. Elas sempre fizeram essa questão de exercer o seu papel no momento do voto, de escolher quem vai ajudá-las a continuar envelhecendo ou chegar à velhice, por exemplo.

Mas o que a gente está preocupado é com o momento histórico. Esse momento que nós estamos passando. A gente vê não só o Brasil, mas outros países, há uma polarização, em discussões e em narrativas. E não só de narrativas. Acho que isso que é até uma das riquezas de se viver, né? Cada um criando suas narrativas. O grande problema hoje é que a gente cria narrativas, algumas ou muitas até focadas, baseadas em mentira, embasadas em discurso de ódio. E isso está trazendo uma ameaça para a democracia e para o direito de alguns grupos sociais de poderem viver.

Eu falando viver parece muito simples, certo? Mas olhando para muito do que se passou, do que se passa na nossa história enquanto país, muitos grupos sociais nascem já sobrevivendo e vão morrer sobrevivendo. Então isso não é correto. A gente tem que garantir cada vez mais esse protagonismo das pessoas e, principalmente, das pessoas idosas. Então veja, nós temos hoje uma organização de eleições municipais, estaduais, federais, onde a cada dois anos as pessoas, nós vamos para as urnas, certo? Tome uma pessoa hoje de 70 anos.  Pense quantas vezes ela vai votar em representantes, prefeitos, prefeitas, senadores, senadoras, deputados, deputadas, presidenta, presidente, enfim, que vão fazer coisas para ela. É impossível imaginar um cenário de eleição sem as pessoas idosas. 

E mais, quantos municípios hoje têm uma proporção ainda maior do que os 15,8% de pessoas idosas? Estou falando de estados que têm 20% e falo de municípios que têm 30% quase 40% de pessoas idosas. Você imagina esses municípios não tendo as pessoas idosas votando? A representatividade seria muito pouca. São as pessoas idosas que podem definir, que vão falar eu quero, nós queremos que esse candidato, que essa candidata nos represente, seja como vereadora, vereador, deputado, prefeito, prefeita, governadora e assim por diante. Então é necessário que a gente convoque não só o governo federal, mas o terceiro setor, o setor privado, a academia e os movimentos para a gente dar transparência às informações para as pessoas idosas. E ao dar transparência, que nós possamos estimular ainda mais a autonomia na escolha de candidatos e candidatas.

E com relação às contribuições específicas da sociedade civil?

Sr. Secretário Alexandre da Silva: o Brasil e é esse mundo, é um país de dimensões continentais, onde a gente tem já a presença de muitas pessoas idosas em diversos espaços acima da média de 15,8% e em outros muito abaixo disso. Mas de um jeito do outro, todo mundo está querendo garantir essa boa condição de vida das pessoas idosas. Então, tem muita gente fazendo coisa boa, tem muitas pessoas tendo experiências ótimas sobre como o envelhecimento daqueles grupos que têm dificuldade pra chegar aos 60 anos. 

E por que não nos aproximar, não aproveitar tudo isso que já foi feito? Então, pensar em envelhecimento é a gente olhar para trás e ver o que tem sido feito já. Essa coisa de não deixar ninguém para trás, para mim isso aqui também quer dizer reconhecer as instituições que, mesmo novas, já vêm com uma potência muito grande.

A gente viu isso muito forte no momento da pandemia da COVID-19. Quantos grupos sociais, quantas organizações sociais foram revolucionárias nos seus territórios, garantindo esse bem viver de pessoas idosas? Então, a ideia é que venham, que mostrem para nós o que têm feito. Muitas vezes, a gente quer aproveitar a totalidade e expandir. Às vezes a gente faz alguns ajustes ou junta uma ideia com a outra. E que isso possa cada vez mais se tornar projetos nossos e, quem sabe, programas nossos. E quem sabe até políticas, compor políticas de estado, do nosso país. Isso é fazer o trabalho coletivo, é o sentido de fato de estar em grupo, de estar no coletivo, pensando uma pauta coletiva que é das pessoas idosas.

E como você avalia a contribuição da pesquisa científica para o desenho, para implantação e para avaliação das políticas públicas voltadas para a pessoa idosa?

Sr. Secretário Alexandre da Silva: Eu estou vendo uma mudança, vamos dizer assim. Se eu for lá pra 25 anos atrás, 30 anos atrás, as pesquisas estavam no campo da demografia e da saúde. Depois, vão para a questão das políticas, depois para a questão da política pública de saúde e depois vão se expandindo. Hoje a gente tem centenas de eixos pensando a pessoa idosa. Eu acredito que é necessário, ainda que a gente garanta equidade na academia, equidade na ciência. Tem muitos grupos e às vezes pessoas que estão estudando um assunto que nem sempre é o interesse dos grandes grupos de pesquisa e a gente sabe que essa pesquisa é necessária mesmo assim. Você precisa dar condições para se fazer pesquisa e que a academia legitime todas as metodologias possíveis de pesquisa. Hoje, por exemplo, a gente tem algumas e eu vou falar entre aspas, “descobertas” de que o corpo humano, de que a gente pensa com o coração. Eu gosto de falar isso. Hoje tem medições, com hormônio, reação celular… só que veja, já tinha um saber lá atrás que já falava isso. A gente deslegitima esse saber. Fica um tempo sem falar sobre isso. Quem fala sobre isso não é valorizado como sábio detentor do conhecimento. E aí vem um outro grupo, um grande grupo de pesquisa, nem sempre dentro do Brasil, às vezes até fora, que demonstra isso. E aí a gente volta e fala: “isso faz sentido”. Olha o que se perde de tempo, de vida, de memória. Então a academia, a meu ver, ela precisa ampliar muito… o que você chama de evidência? O que você chama de saber? O que chama de realidade? O que você chama de amostra? O que chama de grupo de pesquisa? Tudo isso tem que ser mudado, a meu ver. E aí talvez a palavra ecossistema possa entrar com mais propriedade. Eu gostaria muito de que ao final dessa gestão da qual eu faço parte, a gente possa ver cada vez mais pesquisadoras e pesquisadores e com condições de fazer uma pesquisa e uma pesquisa que vá contribuir para a mudança da vida de muitos grupos de pessoas idosas do nosso país.
Senhor negro dá um sorriso tímido

O mapeamento realizado pelo Lab Nova Longevidade reúne mais de 400 iniciativas de todos os setores que estão ajudando a repensar a longevidade no Brasil. O que precisa acontecer para que a sociedade crie mais demanda por soluções que viabilizem e valorizem as contribuições de pessoas de todas as idades?

Sr. Secretário Alexandre da Silva: A redução do idadismo. Esse é o ponto central, sabe? Eu vejo que se a gente conseguisse reduzir, mitigar, as diversas manifestações do idadismo na sociedade – o cultural, o institucional e interpessoal, o pessoal internalizado – se tudo isso pudesse ser mitigado, com certeza a gente veria na pessoa idosa o protagonismo que ela tem, a autonomia que ela tem, um desejo e uma motivação. E isso vai servir de exemplo para toda a sociedade, certo? Até ver o seu mais velho, a sua mais velha, vivendo e não sobrevivendo, criando, aproveitando os propósitos, aproveitando as oportunidades, vivendo do seu propósito, vivendo para o seu propósito. Isso vai servir de exemplo para as novas gerações. E com certeza isso será revolucionário!

Então, para mim, isso é um ponto central e daria para a gente dar diversos exemplos de como o idadismo ainda é muito forte na nossa sociedade, a ponto da gente ter em diversos espaços muitas pessoas idosas que falam da questão das várias pautas, mas não conseguem trazer às vezes isso convergindo para a questão da pauta do envelhecimento.

Isso sem falar dos mais diversos setores que falam das pessoas idosas, mas na hora de firmar mesmo um pacto ali com a sociedade, acabam também fazendo uma certa omissão ou um pacto mais fragilizado porque a gente tem pessoas que não querem reconhecer ou querem esconder o seu envelhecer. E isso para mim é o que há de mais belo na vida. Esses são alguns exemplos do quanto nós podemos ser revolucionários quando reduzirmos o idadismo no nosso país e no mundo.

E para encerrar, o mapeamento mostrou que você é uma das pessoas mais inspiradoras para o ecossistema de longevidade. Você se reconhece nesse papel?

Sr. Secretário Alexandre da Silva: Passar pela vida e saber que houve um momento de contribuição para um mundo melhor, isso me deixa muito feliz e honrado por eu poder honrar quem também me inspirou: meus mais velhos, mas em destaque a minha avó paterna. Que a Sebastiana saiba que o neto que sentava no baú do quarto dela está sendo esse agente transformador e que não tá sozinho. Então eu agradeço agora por saber que eu não ando só. E que isso seja também para pessoas. Se eu olhar pra trás, vejo que tem um grupo já comigo nesse momento de transformação. É algo que me motiva ainda mais e me dá alegria e que me faz acreditar no amor pela causa. Amor pelas pessoas. Amor como revolução.
Alexandre da Silva

Sobre Alexandre da Silva

Alexandre da Silva é Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Vice-Presidente do Conselho Nacional da Pessoa Idosa e Conselheiro no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa idosa no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Possui especialização em Gerontologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), doutorado em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e mestrado em Reabilitação pela Unifesp. Exerce também a função de Professor Adjunto no Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) e já atuou como colunista sobre Envelhecimento, Velhices e Longevidade no Uol e no O Futuro das Coisas. Com ampla experiência em pesquisa, ativismo e consultoria, concentra suas contribuições nas áreas de envelhecimento, velhices, desigualdades e discriminações. Participa ativamente dos Grupos Temáticos (GT) Envelhecimento e Saúde Coletiva e do GT Racismo e Saúde, ambos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, e anteriormente, foi membro do Centro Internacional de Longevidade (ILC-Brasil) com foco em raça, etnia e desigualdades sociais. Sua expertise engloba consultoria, pesquisa, análise de dados, palestras e aulas, com ênfase em envelhecimento, direitos humanos e cidadania, políticas públicas, saúde pública, saúde da população negra e saúde coletiva. Adicionalmente, foi colunista do UOL-Longevidade, contribuindo com reflexões e análises sobre o envelhecimento e a vivência das pessoas idosas.

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