Trabalho60+, Bairro Com Vida
O velho continua se sentindo produtivo, ele está produzindo para ele e para família, para o grupo, para sociedade. E continua pensando junto com a gente como melhorar o mundo.
Eduardo Meyer
Eduardo Meyer: Eu acho que é um dos eixos mais importantes. Eu moro aqui há 73 anos e conheci um novo território. Na verdade, não é conhecer o território, mas reconhecer o território. É vê-lo com novos olhos, com olhos de quem está querendo participar, de quem está querendo achar possibilidades de acrescentar alguma coisa, de melhorar alguma coisa, de propor novas soluções. Isso aqui é um bairro privilegiado no sentido de infraestrutura, de condução etc., que nós queremos transformar num modelo que possa ser replicável para outros espaços e outros territórios. Então, essa metodologia que nós pensamos, inclusive com a Marília Weigert, que é a papisa do desenvolvimento local, é para montar uma metodologia exportável para outros espaços. E esse reconhecimento do território é fundamental. Imagina que, com a Escola da Cidade, nós levantamos no bairro de Vila Buarque 154 locais de comércios ou serviços de cultura. Eu conhecia sete ou oito apenas e tem 154. O que podemos fazer com isso? Como formar uma rede de cultura, transformar a Vila Buarque num Village, por exemplo? O que dá para gente fazer com isso? Estamos num bairro que tem uma grande concentração de arquitetos e grupos LGBTQIA+. Por exemplo, eu nunca conversei com um transexual. É minha chance de conhecer, conviver, fazer projetos juntos. Quero eles no nosso projeto. Se eles estão lá e ocupam esse território, eles têm “trocentas” ideias para fazer lá. É a mesma coisa com os arquitetos. Nós podemos fazer tanto nesse tema do reconhecimento do território. Nós temos também a história de utilizar os espaços públicos e privados subutilizados para utilização dos velhos e da comunidade como um todo. Mas, tem horas que nós temos mais espaço do que nós conseguimos ocupar. Como assim temos 154 pontos de cultura e nós não conseguimos ocupar dez espaços? É esse trabalho que a gente faz com relação ao reconhecimento do território.
“Na Educação para Longevidade, a gente quer mostrar para todo mundo, desde as crianças da escola primária até os universitários, que velho não é o fim da linha, que velho é uma parte do processo e que tem muito a acrescentar trabalhando juntos.“
Eduardo Meyer: Em relação às crianças, nós fizemos dois concursos de literatura na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, que fica na Vila Buarque. Nós chamamos de literatura, mas eram crianças que se manifestavam de todas as formas: ou escrevendo, ou desenhando, ou interpretando. Um dos temas foi a gentileza. O que é gentileza? Como ela pode ser feita? Como ela pode ser propagada? E o outro foi o sorriso. O que o sorriso implica numa relação? E foi muito bom. Nós fizemos esse segundo semestre e vamos fazer outro. Nós contamos com alunos da Psicologia do Mackenzie nos ajudando a trabalhar essas crianças. Isso foi uma forma que nós conseguimos juntar as crianças, o universitário e nós velhos. Outro exemplo somos nós que estamos fazendo uns cursos de reciclagem com os alunos da FAAP: alunos de propaganda, de moda e com o IED, alunos de design. Nós queremos botar a cara do nosso projeto para todo mundo conhecer. Vamos pegar a turma da publicidade para nos ajudar. Eles estão montando uma apresentação para nós, um jornal mural para gente distribuir no bairro inteiro. Nós estamos entrando dentro dos condomínios para levar as atividades do Trabalho60+ para os velhos do condomínio. Ao mesmo tempo, nós estamos querendo georreferenciar esses velhos que moram sozinhos ou casais para formar uma rede de apoio e para tirá-los dos prédios para participarem das nossas atividades. Existem ainda algum receio dos apoiadores, mas estamos conseguindo juntar essas universidades para pensarmos juntos.
Eduardo Meyer: Eu começaria pelo reconhecimento do território. É incrível como muda a sua visão de bairro, de apenas um morador para observador das condições do bairro. Você descobre coisas incríveis e o pulsar da vida do bairro. Por exemplo, você deixa de passar três meses numa determinada rua e quando passa de novo, tem diferença. Tem novas pessoas. Tem novos negócios. Você pensa: “Esse eu ainda não conversei, esse eu posso conversar, ele está começando, pode nos ajudar nisso. Eu posso ajudá-lo naquilo”. É uma coisa pulsante que não para e é muito legal da gente observar. E isso é um trabalho típico de velho. No Bairro com Vida, também adotamos o princípio da Cidade de 15 minutos. Dentro disso, o velho fica nesse seu ambiente, nesse seu habitat, descobrindo novas possibilidades dentro desse raio de 15 minutos a pé. Outro dia eu tive que fazer uns exames no Morumbi. Fazia tempo que eu não pegava trânsito. Eu não sabia o que era trânsito. Eu ficava só por aqui andando a pé, de ônibus, eu estranhei o trânsito. Então, eu acho que esse reconhecimento do território é fundamental em qualquer espaço que você vá. E isso é uma das premissas do desenvolvimento local: você conhecer bem esse território, o que ele produz, o que ele não produz, o que seria interessante de ser produzido e como fazer isso.
“E isso é uma das premissas do desenvolvimento local: você conhecer bem esse território, o que ele produz, o que ele não produz, o que seria interessante de ser produzido e como fazer isso.“
Eduardo Meyer tem 73 anos e é paulistano com formação jurídica pela Universidade de São Paulo -Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – 1975. Possui 25 anos de Experiência profissional em Projetos de Desenvolvimento Social, como o DLIS (Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável) do programa da Comunidade Solidária tendo participado de projetos nos 100 municípios com menor IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal do Estado de São Paulo. É fundador e colaborador do grupo TRABALHO 60+. Desde 2016, o grupo visa a valorização do idoso por meio do trabalho colaborativo, prazeroso e que proporcione uma justa remuneração. É coordenador do projeto Bairro com Vida no distrito da Consolação em São Paulo.
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