Eduardo Meyer

Eduardo Meyer

Trabalho60+, Bairro Com Vida

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O velho continua se sentindo produtivo, ele está produzindo para ele e para família, para o grupo, para sociedade. E continua pensando junto com a gente como melhorar o mundo.

Eduardo Meyer

O Bairro Com Vida é um spin-off do grupo Trabalho60+, um grupo que você fundou. Como surgiu a ideia de fundar este grupo que tem como propósito discutir e proporcionar a inserção produtiva do sênior na sociedade, gerando saúde física, financeira, emocional, mental, espiritual e social? E por que isso era importante para você quando você decidiu fundar o grupo?

Eduardo Meyer: A ideia surgiu num curso de reinvenção profissional em que houve uma vivência numa empresa do sistema B. Ela abriu uma oportunidade para nós e dividiu o nosso grupo de velhos, que era de 15 mais ou menos, em três grupos diferentes. Os representantes da empresa apresentaram três problemas que eles estavam com dificuldade de resolver. Então, nós, que mal nos conhecíamos, tínhamos tido uma meia dúzia de aulas juntos só, fomos divididos aleatoriamente e nos reunimos para pensar nesses problemas. Em dois meses, resolvemos os três problemas sem conhecermos nada da empresa, mas tivemos a facilidade dela ter aberto a possibilidade para nós conversamos com quem quiséssemos. Isso evidenciou muito o potencial dos velhos quando pensam juntos. Então, ao final do curso, nós percebemos que não podíamos parar por ali. Nós precisávamos continuar nos reunindo, continuar pensando juntos para a gente desenvolver ações que possam beneficiar a nós, ao nosso grupo, à sociedade. Mas afinal, o que podemos fazer juntos para aproveitar essa força que foi evidenciada nesse curso? A partir dali, idealizamos o Trabalho60+ que visa justamente isso: extrair o potencial dos velhos para aplicá-lo na vida prática. O velho continua se sentindo produtivo, ele está produzindo para ele e para família, para o grupo, para sociedade. E continua pensando junto com a gente como melhorar o mundo.
Avós estão na cozinha, ensinando um casal de netos a cozinharem

E como você foi parar num curso de requalificação profissional? Qual era o seu momento de vida?

Eduardo Meyer: Foi muito por acaso. Meu trabalho era um projeto de desenvolvimento social, realizado em Cubatão. E tem aquela história, todo o trabalho nesse sentido muda quando muda o prefeito. Começa tudo outra vez, manda todo mundo embora, contrata outros e eu estava meio cheio disso. Então surgiu no meu e-mail um curso de reinvenção profissional. Eu pensei: “Está na hora de eu pensar algo nesse sentido”. Fiz e adorei. Esse curso tinha como objetivo trazer à tona todas as experiências antigas, as novas, as ideias e no final formalizar um projeto para realização de tudo que foi discutido. O meu foi o Trabalho60+ e, a partir daí, com algumas pessoas que fizeram o curso comigo, nós montamos o grupo Trabalho60+, que visa justamente fomentar possibilidades de novas iniciativas desenvolvidas por esses velhos. E uma delas é o Bairro Com Vida, que é a forma que a gente tem de pôr em prática aquilo que a gente pensa e que a gente pode atuar juntos.

E o que é um Bairro com Vida? Como surgiu a necessidade de um projeto como esse?

Eduardo Meyer: Ele foi inspirado na Cidade Amiga do Idoso, que tem mais de duas mil cidades nos cinco continentes. A minha experiência profissional é em desenvolvimento social, desenvolvimento local. Eu resolvi juntar essas duas coisas: as pessoas do bairro que eu conheço e que estão dispostas a pôr a mão na massa para gente repensar o nosso bairro juntos. O que que ele tem de bom? O que pode ser melhorado? Onde a gente pode meter nossa colher? Fazer algo diferente usando alguma coisa da metodologia do desenvolvimento local. Aliás eu trouxe a minha ex-chefe de desenvolvimento local, que era minha chefe no Sebrae, para ela dar forma às nossas ideias. Nós estabelecemos isso como regra: utilizar a estratégia do desenvolvimento local inspirados no Bairro Amigo do Idoso do Kalache, lá em Copacabana. Como o Kalache é médico e o Projeto era da Organização Mundial da Saúde puxava muito para saúde. E o nosso puxa mais paro o desenvolvimento social. Então queríamos enxergar como a gente podia agregar todo mundo que está no bairro para pensar juntos e desenvolver ações que possam beneficiar a todos, de todas as idades. É bastante trabalho, mas é muito legal.

E como a comunidade participa do projeto? Como o projeto valoriza a contribuição da comunidade?

Eduardo Meyer: Nós queríamos o bairro de Higienópolis, pois moro aqui há 73 anos e seria mais fácil. Levamos a ideia pra subprefeitura e eles pediram que a gente abrangesse o distrito da Consolação inteira. Então virou Higienópolis, Santa Cecília, Vila Buarque, um pedaço do Pacaembu, um pedaço da Consolação. E a estratégia do desenvolvimento local é conseguir aliar ao projeto todas as lideranças, as instituições, o comércio e as pessoas, a comunidade como um todo, para pensar e formatar juntos um projeto. Nós começamos o trabalho em 2021 e conseguimos parcerias bárbaras. Nós temos, por exemplo, a Universidade Mackenzie, a FAAP, a Universidade São Judas, o IED (Instituto Europeu de Design) e a Escola da Cidade. E depois vieram o Sesc e a Aliança Francesa. Nós começamos a articular tudo: entidades e lideranças locais para pensarmos juntos. Como é que a gente pode abranger tudo isso? Aí começa a faltar braço, porque tem muita ação para fazer e pouco braço para executar. Nós estamos numa fase de realmente conseguir ir para rua e deixar claro que nós precisamos de ajuda. Então estamos agora articulando com o bairro, com ex-alunos dessas universidades, com os velhos que se reúnem no shopping center, com os clubes que tem aqui. Quem é que pode nos ajudar dentro disso? Nosso projeto é dividido em cinco eixos e estamos tentando cobrir esses desejos todos com os poucos braços que temos.

Um dos eixos do projeto é conhecer o território através de pesquisas. Por que isso é importante? E o que que vocês descobriram até agora?

Eduardo Meyer: Eu acho que é um dos eixos mais importantes. Eu moro aqui há 73 anos e conheci um novo território. Na verdade, não é conhecer o território, mas reconhecer o território. É vê-lo com novos olhos, com olhos de quem está querendo participar, de quem está querendo achar possibilidades de acrescentar alguma coisa, de melhorar alguma coisa, de propor novas soluções. Isso aqui é um bairro privilegiado no sentido de infraestrutura, de condução etc., que nós queremos transformar num modelo que possa ser replicável para outros espaços e outros territórios. Então, essa metodologia que nós pensamos, inclusive com a Marília Weigert, que é a papisa do desenvolvimento local, é para montar uma metodologia exportável para outros espaços. E esse reconhecimento do território é fundamental. Imagina que, com a Escola da Cidade, nós levantamos no bairro de Vila Buarque 154 locais de comércios ou serviços de cultura. Eu conhecia sete ou oito apenas e tem 154. O que podemos fazer com isso? Como formar uma rede de cultura, transformar a Vila Buarque num Village, por exemplo? O que dá para gente fazer com isso? Estamos num bairro que tem uma grande concentração de arquitetos e grupos LGBTQIA+. Por exemplo, eu nunca conversei com um transexual. É minha chance de conhecer, conviver, fazer projetos juntos. Quero eles no nosso projeto. Se eles estão lá e ocupam esse território, eles têm “trocentas” ideias para fazer lá. É a mesma coisa com os arquitetos. Nós podemos fazer tanto nesse tema do reconhecimento do território. Nós temos também a história de utilizar os espaços públicos e privados subutilizados para utilização dos velhos e da comunidade como um todo. Mas, tem horas que nós temos mais espaço do que nós conseguimos ocupar. Como assim temos 154 pontos de cultura e nós não conseguimos ocupar dez espaços? É esse trabalho que a gente faz com relação ao reconhecimento do território.

Um senhor faz alongamento, enquanto sua personal o assiste

O projeto também tem como eixos estratégicos a Educação para a Longevidade e Atividades Cidadãs Intergeracionais. Como isso acontece na prática?

Na Educação para Longevidade, a gente quer mostrar para todo mundo, desde as crianças da escola primária até os universitários, que velho não é o fim da linha, que velho é uma parte do processo e que tem muito a acrescentar trabalhando juntos.

Eduardo Meyer: Em relação às crianças, nós fizemos dois concursos de literatura na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, que fica na Vila Buarque. Nós chamamos de literatura, mas eram crianças que se manifestavam de todas as formas: ou escrevendo, ou desenhando, ou interpretando. Um dos temas foi a gentileza. O que é gentileza? Como ela pode ser feita? Como ela pode ser propagada? E o outro foi o sorriso. O que o sorriso implica numa relação? E foi muito bom. Nós fizemos esse segundo semestre e vamos fazer outro. Nós contamos com alunos da Psicologia do Mackenzie nos ajudando a trabalhar essas crianças. Isso foi uma forma que nós conseguimos juntar as crianças, o universitário e nós velhos. Outro exemplo somos nós que estamos fazendo uns cursos de reciclagem com os alunos da FAAP: alunos de propaganda, de moda e com o IED, alunos de design. Nós queremos botar a cara do nosso projeto para todo mundo conhecer. Vamos pegar a turma da publicidade para nos ajudar. Eles estão montando uma apresentação para nós, um jornal mural para gente distribuir no bairro inteiro. Nós estamos entrando dentro dos condomínios para levar as atividades do Trabalho60+ para os velhos do condomínio. Ao mesmo tempo, nós estamos querendo georreferenciar esses velhos que moram sozinhos ou casais para formar uma rede de apoio e para tirá-los dos prédios para participarem das nossas atividades. Existem ainda algum receio dos apoiadores, mas estamos conseguindo juntar essas universidades para pensarmos juntos.

E como estão as parcerias necessárias para viabilizar a continuidade disso financeiramente?

Eduardo Meyer: Aí está a parte difícil. Nós estamos caminhando com as nossas próprias pernas. Sem dinheiro. Aquele sufoco para fazer um banner. Mas temos possibilidades de fazer projetos interessantes que possam interessar empresas e estamos começando a nos dedicar a isso. Uma das fraquezas do nosso grupo, tanto no Bairro com Vida quanto no Trabalho60+ é a falta da turma do marketing, que a gente não tem. Mas nós estamos indo atrás. Estamos entrando em condomínios e isso é interessante para as empresas. Por exemplo, nós vamos reunir síndicos de 20 condomínios para estabelecer um jogo entre os condomínios. Então nós estamos querendo localizar os velhos e referenciar os velhos, botar os velhos no jogo e ampliar para os condomínios. Se a gente pensar em 30 ou 40 apartamentos por condomínio, a gente começa a ter um público interessante para as empresas, principalmente as locais. Nós fizemos uma pesquisa, junto à São Judas, que mostrava que grande parte dos velhos após a pandemia está fazendo compras via internet. Eles estão passando mais tempo na frente do computador e da televisão do que indo para rua. E o nosso trabalho agora é tirar o velho do sofá e trazer ele para rua de novo e aí entra também conhecer o comércio do bairro. É um trabalho insano, porque antes a gente falava “tira o velho do sofá”. Aí veio a pandemia, “agora volta o velho pro sofá” e assim vai.

Um Bairro com Vida é um bairro mais saudável?

Eduardo Meyer: Com certeza. Quando a gente fala saudável, não é o negócio de ir para academia ou fazer uma alimentação saudável. Enfim, todas essas regras que os médicos insistem conosco, os velhos. Mas é de sair, tomar um sol, conversar, bater papo e tudo isso serve para ter uma participação social maior dentro da comunidade. Então, essa rede funciona assim: “eu vou para padaria, eu ligo paro o vizinho mais próximo, eu estou indo na padaria, quer tomar um café?” Sabe, eu não vou ajudá-lo se ele tiver dificuldade de se levantar da cama. Eu não sei fazer isso. Mas eu posso insistir para ele dar uma andada, para ir tomar um sol na praça, para bater um papo ou qualquer coisa assim. É outro sonho. Não é nem objetivo. Isso é mais sonho. Nós estamos querendo transformar o nosso distrito em uma alusão dentro de São Paulo, uma vez que tem medidas oficiais para medir a longevidade em cada distrito.

Quais foram os aprendizados do Bairro Com Vida até agora? Se você pudesse compartilhar algo com quem está pensando em mobilizar a comunidade?

Eduardo Meyer: Eu começaria pelo reconhecimento do território. É incrível como muda a sua visão de bairro, de apenas um morador para observador das condições do bairro. Você descobre coisas incríveis e o pulsar da vida do bairro. Por exemplo, você deixa de passar três meses numa determinada rua e quando passa de novo, tem diferença. Tem novas pessoas. Tem novos negócios. Você pensa: “Esse eu ainda não conversei, esse eu posso conversar, ele está começando, pode nos ajudar nisso. Eu posso ajudá-lo naquilo”. É uma coisa pulsante que não para e é muito legal da gente observar. E isso é um trabalho típico de velho. No Bairro com Vida, também adotamos o princípio da Cidade de 15 minutos. Dentro disso, o velho fica nesse seu ambiente, nesse seu habitat, descobrindo novas possibilidades dentro desse raio de 15 minutos a pé. Outro dia eu tive que fazer uns exames no Morumbi. Fazia tempo que eu não pegava trânsito. Eu não sabia o que era trânsito. Eu ficava só por aqui andando a pé, de ônibus, eu estranhei o trânsito. Então, eu acho que esse reconhecimento do território é fundamental em qualquer espaço que você vá. E isso é uma das premissas do desenvolvimento local: você conhecer bem esse território, o que ele produz, o que ele não produz, o que seria interessante de ser produzido e como fazer isso.

E isso é uma das premissas do desenvolvimento local: você conhecer bem esse território, o que ele produz, o que ele não produz, o que seria interessante de ser produzido e como fazer isso.

Senhora sorri, enquanto olha pela janela

O mapeamento reúne mais de 400 iniciativas de todos os setores que estão ajudando a repensar a longevidade no Brasil. O que precisa acontecer para que a sociedade crie mais demanda por soluções que viabilizem e valorizem as contribuições de pessoas de todas as idades?

Eduardo Meyer: Basicamente, é mudança cultural. É um processo lento, como é o do desenvolvimento local. Não é uma coisa que você chega, implanta e pronto. É um processo. Eu culpo muito os velhos, porque os velhos não estão mostrando o seu potencial. Os velhos estão acomodados numa posição de que são velhos, são aposentados. O que despertou o Trabalho60+ e o Bairro Com Vida foi a gente sentir na prática a importância do trabalho dos velhos, que gera um grande valor que não é palpável. E como botar isso pra fora? O velho tem que mostrar que pode, que faz e que quer fazer. Eu lembro que lá atrás, quando era pra conseguir o primeiro emprego, o maior obstáculo eram os tais dois anos de experiência. A gente juntando 20 velhos dá mil anos de experiência. Quanto vale isso? Em áreas diferentes do conhecimento, com vivências e experiências diferentes, isso junto tem um valor que é difícil de mostrar, mas nós temos que mostrar. Então essa história de como incluir velhos e jovens nisso, a resposta é: fazendo. Como foi no curso de reinvenção profissional. Nós vimos. Nós sentimos na pele a força do impacto que nós fizemos. E isso é fundamental. E nisso eu acho que os Bairros Amigos dos Idosos e o Bairro Com Vida e o Trabalho60+ podem ajudar muito a demonstrar. Na prática eu acho que tem que ter ações assim.

E sobre esse fazer, você se identifica como um agente de transformação do mundo? Se sim, como que é envelhecer nesse papel?

Eduardo Meyer: Eu me sinto sim, pelo menos um candidato a mudar o mundo. Todo mundo tem que dar sua contribuição, independentemente de idade, de forma de fazer ou de modo de agir. Eu acho que, cada um tendo o seu objetivo, seu propósito e correndo atrás disso, a gente muda tudo. Eu não me sinto como velho participando disso, eu me sinto como uma pessoa podendo dar o máximo que eu posso, que é limitadíssimo, mas que é o máximo que eu posso.
Eduardo Meyer

Sobre Eduardo Meyer

Eduardo Meyer tem 73 anos e é paulistano com formação jurídica pela Universidade de São Paulo -Faculdade de Direito do Largo de São Francisco  – 1975. Possui 25 anos de Experiência profissional em Projetos de Desenvolvimento Social, como o DLIS (Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável) do programa da Comunidade Solidária tendo participado de projetos nos 100 municípios com menor IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal do Estado de São Paulo. É fundador e colaborador do grupo TRABALHO 60+. Desde 2016, o grupo visa a valorização do idoso por meio do trabalho colaborativo, prazeroso e que proporcione uma justa remuneração. É coordenador do projeto Bairro com Vida no distrito da Consolação em São Paulo.

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