Marcia Vieira

Marcia Vieira

MasterCare, CONACARE e Hub Longevidade

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Aprendi, entre tantas lições, que a educação para os cuidadores salva vidas; aprendi que envelhecer com cuidado não pode ser um privilégio, porque, antes de tudo, é direito.

Marcia Vieira

Você está à frente de três iniciativas dirigidas ao cuidado de pessoas longevas. Qual sua conexão com o tema da longevidade e por que sua atenção está voltada para o cuidado?

Marcia Vieira: Durante quase 10 anos, fui responsável pelo cuidado do meu pai, Sr. José Vieira Sobrinho, juntamente com minha mãe, Dona Maria de Lourdes Teixeira Vieira. Quando precisei assumir o papel de filha cuidadora, à medida que me deparava com as dores e alegrias de poder cuidar de um pai octonegenário, pesquisava soluções para melhorar sua saúde e bem-estar, atuava na preparação dos seus cuidadores (profissão não regulamentada no país), gerenciava uma rede de apoio com profissionais de saúde e trabalhava na criação de metodologias e tecnologias para apoiar outras famílias, pessoas idosas e cuidadores formais. Meu pai sempre me orientou a estar onde eu aprendo mais que ensino. Ao seu lado aprendi, entre tantas lições, que a educação para os cuidadores salva vidas; aprendi que envelhecer com cuidado não pode ser um privilégio, porque, antes de tudo, é direito. Nos últimos 04 anos, minha mãe passou a demandar mais cuidados e sigo na minha jornada de filha cuidadora. A partir desta jornada extraordinária e de 10 anos de pesquisas, nasce a MasterCare Brasil, o CONACARE – Congresso Nacional de Cuidadores, Cuidados e Longevidade e o Hub Longevidade com o propósito de transformar o cuidado com os longevos e ajudar o preparar o país para novas formas de envelhecer.
Uma avó recebe o beijos de seus dois netos. Um em cada bochecha

De que forma a MasterCare vem transformando o cuidado com pessoas idosas? O que a MasterCare tem de inovador?

Marcia Vieira: Somos um ecossistema de soluções em educação e tecnologia. A MasterCare é um negócio de impacto. Desenvolvemos um programa de educação continuada, para cuidadores formais e familiares se prepararem para os desafios do cuidado nas residências e em instituições de longa permanência (ILPIs). Criamos, a partir de ciência de dados, tecnologias que auxiliam na seleção dos perfis de cuidadores mais adequados às especificidades de cada longevo. Temos 3.000 cuidadores mapeados, em nossa base, em todo o país. Não somos um home care ou uma agência de cuidadores, somos uma nova solução de apoio a estas empresas, governos e famílias.

Qual é o papel da educação no cuidado?

Marcia Vieira: A profissão de cuidador de idosos não é regulamentada, porém, é uma das que mais cresce. Em uma década (2007-2017), a ocupação de cuidador cresceu 547%. A educação destes profissionais, além de contribuir com a geração de trabalho e renda, é fundamental para o bem-estar, proteção e qualidade de vida das pessoas idosas. E a preparação dos cuidadores familiares se faz cada vez mais urgente. Lidar com um familiar com demência, diabetes, doenças cardiovasculares, por exemplo, demanda preparo emocional e conhecimentos que podem evitar intercorrências e salvar vidas.

A tecnologia pode escalar o acesso e a qualidade do cuidado dirigido às pessoas idosas? Considerando os 60+, como cuidar da inclusão digital de quem cuida e de quem é cuidado?

Marcia Vieira: Sem dúvida. Utilizamos a tecnologia da forma mais acessível possível.  A plataforma de cursos é intuitiva, de fácil navegação, simplificada, para quebrar as barreiras tecnológicas. Assinamos um convênio com o Fundo Social do Estado de São Paulo e passamos a atuar nas Praças da Cidadania de Paraisópolis e Guarulhos. Durante a pandemia, capacitamos moradores para cuidarem das pessoas idosas em diferentes comunidades, com apoio do G10 Favelas e Emprega Comunidades. Temos parceria com a ACIRMESP – Associação de Cuidadores da Região Metropolitana de São Paulo e estamos ampliando para associações de Norte a Sul do país. Os parceiros têm um papel fundamental para garantirmos o alcance cada vez maior de nossas soluções. Nosso objetivo é levar, por meio das empresas, terceiro setor e governos, as tecnologias e metodologias tornando-as acessíveis a todos. 

Há espaço nas políticas públicas para o "match" proposto pela MasterCare entre famílias que buscam cuidadores de pessoas idosas e cuidadores qualificados que buscam trabalho e renda?

Marcia Vieira: Sim, principalmente, porque em novembro de 2023, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 990/22, que inclui o atendimento por cuidadores de pessoas idosas entre os serviços domiciliares oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em se tornado lei, a questão será: como  serão selecionados estes cuidadores? Qual o nível de qualificação necessária? Como será feita a gestão e o acompanhamento deste trabalho tão relevante? E como capacitar este contingente de profissionais para o atendimento à população idosa? Atualmente, temos, em nossa base, cuidadores de todo o país. A tecnologia da MasterCare é extremamente útil para agilizar o processo de seleção e capacitação dos cuidadores formais e familiares. Podemos ajudar a preparar os cuidadores que atenderão no meio urbano e rural, com parceiros locais. E a nossa metodologia de cuidados e outras tecnologias, que fazem parte do nosso ecossistema, o Hub Longevidade, podem apoiar o trabalho de promoção de saúde e prevenção de doenças desta população.
Senhora sorri enquanto cozinha

A Política Nacional de Cuidados recém-encaminhada ao Congresso reconhece a interdependência entre quem precisa de cuidado e quem cuida e tem como objetivo garantir o trabalho decente para trabalhadoras e trabalhadores remunerados do cuidado e a redução da sobrecarga de trabalho para quem cuida de forma não remunerada – que são fundamentalmente as mulheres. Que lei você gostaria de ver aprovada em relação ao trabalho invisível dos familiares cuidadores?

Marcia Vieira: Precisamos reconhecer que cuidado é amor, mas também é trabalho. O familiar que se dedica a esta missão está contribuindo para a dignidade, saúde e proteção da vida de uma pessoa longeva, está fazendo cumprir o Estatuto da Pessoa Idosa. Muitos familiares que cuidam precisam abrir mão do trabalho remunerado, o que tornam ainda mais escassos os recursos da família, inclusive para as necessidades das próprias pessoas idosas. Cuidado não tem preço, mas tem custo. Os cuidadores familiares sendo preparados, reconhecidos e apoiados financeiramente poderão atuar ainda mais fortemente para uma longevidade mais saudável no país (a própria e a do seu ente), podem contribuir para diminuir a sobrecarga do sistema de saúde, atuando de forma preventiva. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD-C 2019), houve um crescimento no número de brasileiros que passaram a cuidar de familiares longevos: eram 3,7 milhões em 2016, chegando a 5,1 milhões em 2019, um crescimento de quase 40%, em três anos. Acredito que, depois da pandemia, este número teve um aumento ainda maior.

Muitos familiares que cuidam precisam abrir mão do trabalho remunerado, o que tornam ainda mais escassos os recursos da família, inclusive para as necessidades das próprias pessoas idosas. Cuidado não tem preço, mas tem custo.

No estudo que vocês realizaram sobre perfis de cuidadores no Brasil, o que vocês descobriram?

Marcia Vieira: Fizemos o estudo exclusivamente com os cuidadores formais. Pesquisamos 2.568 cuidadores de pessoas idosas, em todo o país, e identificamos, entre outros dados, que: 90,2% são mulheres; 33,2% têm de 26 a 35 anos, 29,2% possuem de 36 a 45 anos e 14,2% de 46 a 65 anos; 41,9% são chefes financeiros da casa e 43% parcialmente chefes financeiros da família; 56,8% possuem ensino médio completo, 9,2% possuem ensino médio incompleto e 16,1% ensino técnico. Levantamos as habilidades e competências, as experiências, as principais dificuldades no dia do cuidado. Ratificamos, com este estudo, a importâncias da formação continuada e do impacto dos cuidadores na vida dos longevos, nas famílias, na economia do país e nos sistemas público e privado de saúde.

Você também está à frente do CONACARE, Congresso Nacional de Cuidadores, Cuidados e Longevidade. De que forma ele responde a essa necessidade de produzir conhecimento e metodologias de aprendizado?

Marcia Vieira: O CONACARE está em sua terceira edição e segue reunindo especialistas sobre saúde, bem-estar, cuidados, políticas públicas, tecnologia e longevidade. E a missão de dar voz aos cuidadores do Brasil, familiares e formais, expande-se a cada edição. O Congresso, que acontece durante a Longevidade Expo+Fórum em São Paulo, maior evento do país para o público sênior, é um convite para o debate intersetorial sobre como as pessoas idosas são cuidadas no Brasil e quem está cuidando desta população em acelerado crescimento. E, olhando para o futuro, começarmos a construir, agora, caminhos para uma longevidade mais ativa e livre de doenças crônicas.

E o que é o Hub Longevidade?

Marcia Vieira: Em 2023, lançamos o Hub Longevidade, durante a Longevidade Expo+Fórum, em São Paulo, para reunirmos soluções inovadoras para saúde e construção de uma nova longevidade. Buscamos reunir centros de inovação, entidades do terceiro setor, empresas privadas, setor público, instituições de fomento, hubs de inovação, investidores, healthtechs, biotechs, agetechs, seniortechs, dentre outros. Em 2024 expandimos nossa atuação para alcançarmos todas as regiões do país. Promovemos a participação das empresas nos principais eventos sobre longevidade do país; impulsionamos comercialmente negócios inovadores; por meio de programas de capacitação e consultoria, preparamos marcas para a economia prateada; realizamos capacitações sobre empreendedorismo, inovação, longevidade e saúde.
Um filho abraça seu pai

O mapeamento reúne mais de 400 iniciativas de todos os setores que estão ajudando a repensar a longevidade no Brasil. Na sua opinião, o que precisa acontecer para que a sociedade crie mais demanda por soluções que viabilizem e valorizem as contribuições de pessoas de todas as idades?

Marcia Vieira: As empresas, o mercado precisam atualizar o olhar sobre quem são os “novos” brasileiros e brasileiras 50+. E essa mudança não se dá apenas criando campanhas incluindo pessoas da geração prateada. É necessário algo mais profundo, tanto no que diz respeito à percepção sobre este mercado consumidor, quanto sobre esta força de trabalho ativa, atualizada sim, moderna e sábia ao mesmo tempo. Sociedades que sabem ouvir seus mestres evoluem mais rápido. O mesmo vale para as empresas. A intergeracionalidade é estratégica e vital para negócios prosperarem a partir dos novos contornos demográficos do país. 

Você se reconhece como uma agente transformadora do mundo? Como é que é envelhecer nesse lugar?

Marcia Vieira: Totalmente. Com profunda serenidade e emoção, afirmo que estou cumprindo meus propósitos na Terra, aprendendo mais do que ensinando, como meu pai desejava. Amadurecer e envelhecer seguindo minha missão me rejuvenesce e impulsiona para novos saltos. Estou na minha melhor versão. Cada passo dessa jornada foi guiado pelo desejo de transformar vidas, de deixar um legado de impacto positivo e por isso, sou eternamente grata a tudo e a todos.
Marcia Vieira

Sobre Marcia Vieira

Marcia Vieira é administradora de empresas e professora, especialista em gestão de projetos, gestão pública, educação a distância, inovação e startups. Consultora associada da FIPECAFI-FEA-USP. Filha cuidadora de pais octogenários, fundou iniciativas para contribuir com a transformação do cuidado e saúde dos longevos: a MasterCare, o Hub Longevidade e o CONACARE – Congresso Nacional de Cuidadores, Cuidados e Longevidade. Faz parte da curadoria da Longevidade Expo+ Fórum. É co-fundadora da heathtech Seed4Life. Foi executiva de empresas de consultoria, tecnologia e educação, com atuação no Brasil e exterior. Foi consultora da FINEP/Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação nos programas FINEP 30 Dias e FINEP Startup. Experiência de 13 anos no ecossistema de startups, pela MVI – Multiplicar Valores & Investimentos/MVI Bank. Pós-graduada em Gestão Fiscal, atuou na implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal em municípios. Coordenou, juntamente com o Governo do Estado de São Paulo/SEFAZ, GEFIN, FIPE e FIPECAFI o programa pela qualidade do gasto público, alinhado à Agenda 2030/ONU, com a participação dos 23 estados e Distrito Federal.

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