Idealizadora filme Quantos Dias. Quantas Noites
Eu me perguntava sobre isso: quanto tempo dura uma vida? São 50 anos? O que é ser velha? Uma ginasta de 23 anos, ela é velha para ser uma ginasta? O que que ela vai fazer com os outros 50 anos, 70 anos de vida?
Marta Pipponzi
Marta Pipponzi: Eu acho que no nosso modelo mental a gente vê o velho, o idoso, meio como café com leite, por mais que ele ajude. De uma maneira bem generalista, é assim: eu deixo meu filho com a minha mãe, mas ela vai meio ter que fazer o que eu estou mandando. Eu vejo muitas amigas que as mães ajudam, pegam na natação, levam. Estou falando do nosso recorte deste o tamanho. Mas tem um pouco esse lugar, do café com leite. Por mais que ajude, nosso modelo mental nos leva sempre naquele lugar em que você tem que dar uma checada se fez direito. A gente precisa desconstruir isso. Não é café com leite. É um outro jeito de fazer, não é menos válido. É um outro jeito de entregar. Da mesma maneira, se você vai contratar uma pessoa mais idosa pra, sei lá, trabalhar na sua empresa, como caixa do supermercado, não é pensar que agora o caixa está mais devagar. É normal, esse é o ritmo agora. É assim, a fila de espera agora vai ter esse tempo, pronto. A gente precisa ter um pouco mais de cuidado para realmente entender que, se a gente está falando de uma outra fase da vida, outro tempo, ela não é menos válida, menos importante, como o café com leite, sabe? Eu acho que ainda tem muito da visão do café com leite, de dar uma checada, se fez do jeitinho que a gente queria que fizesse.
Marta Pipponzi: É uma das primeiras coisas que me perguntaram. O que você gostaria que a pessoa que assistisse ao filme pensasse, falasse, fizesse? Essa foi a minha resposta, eu queria que ela parasse para pensar na própria longevidade. O que eu vou fazer? Como é que vai ser a minha vida? Eu acho que quando a gente vê o problema na gente, nossa vontade de se envolver com a questão, de ver a realidade, ela aumenta infinitamente quando comparada a uma coisa que está só no outro, que parece que está longe. Eu acredito ainda mais que um denominador comum é a finitude. O envelhecimento ainda é privilégio. Mas eu acho que se não começar com uma provocação pessoal, com uma reflexão pessoal, qualquer coisa que venha depois ficará menos potente. Você pode até imaginar sua longevidade de um jeito diferente da minha, diferente da do seu vizinho, diferente da do cara que mora do lado da ponte. Mas eu acredito muito que qualquer mudança tem que, de fato, começar com o sentido que aquilo tem para mim. Eu não acho que isso é um individualismo, acho que isso é uma necessidade para a gente ficar mais potente, ainda mais em uma questão que é tão humana. Por isso eu sempre gostei muito da ideia do cinema. O cinema é muito potente para gerar reflexão pessoal. Isso para qualquer filme, o filme besta, o filme bonito. Ele sempre tem isso que, de alguma forma, ele mexe com você. Para que você realmente consiga ser agente de alguma coisa, você precisa estar visceralmente envolvido. Então a reflexão sobre a longevidade e o envelhecer tem que começar internamente.
“Eu acredito ainda mais que um denominador comum é a finitude. O envelhecimento ainda é privilégio.“
Marta Pipponzi: Nossa, totalmente. E, principalmente depois do filme, com certeza mais ainda. Para mim, como pessoa física era difícil tangibilizar o impacto, então depois dessas três consequências muito tangíveis que o filme trouxe, eu posso falar que plantei essa semente. A trajetória ficou muito clara para mim, então, com certeza. E hoje eu acho que nada é muito por acaso, o fato de eu ter ido fazer uma segunda faculdade, estar reinventando minha carreira. A vida ganhou uma nova dimensão para mim, não só porque eu queria me ocupar e fazer uma coisa legal, mas porque eu quero ser produtiva, porque eu sei que tenho muito para dar. Sinto que estou vivendo isso na pele, seja no lado pessoal, seja no lado da contribuição. E eu vou falar de novo do filme. Mudou muito a minha cabeça, porque quando eu tinha uma visão extremamente encurtada do envelhecimento, dos problemas, o filme foi uma grande oportunidade de eu chacoalhar o meu mundo e me destacar das minhas visões internas, olhando para outras realidades que eu não tinha parado para olhar nesse recorte. Quando você vê o nível de gente solidária reunida no filme, envolvida e esperançosa, isso me mudou. Eu não tinha esse nível de otimismo, nem de consciência, antes de passar por todo esse processo.
Marta Pipponzi: Essa pergunta é complexa. Que tal resetar todo mundo, apertar um botão e reiniciar, mudar a programação mental? Não tem outro caminho, senão o de plantar sementinhas. Mas o fato de vocês terem criado essa iniciativa de mapeamento, entender e estar fazendo essa pergunta, já pulamos dez passos no jogo. E uma coisa vai levando a outra. Eu acho que você não pode parar de pensar, de provocar o tema, seja no mundo, na sua vida pessoal, na sua vida, no trabalho, na sua comunidade. Eu acho que o segredo é criar essas narrativas, porque as pessoas têm que se ver nesse lugar de envelhecimento. Têm que se ver, que ver os pais e quem estiver ao redor. A gente tem que fomentar o máximo possível de outras iniciativas. Existir 400 iniciativas é maravilhoso e quero muito um dia poder acessar esses dados e entender quais são elas. Eu não sei muito qual é o propósito do trabalho de vocês, mas ter uma fonte catalisadora é fundamental para que a gente consiga chegar mais longe e consiga ir cuidando das questões e cuidando do outro. Porque eu sinto que para muitos dos problemas sociais que a gente tem, tem muitas coisas, mas falta um organizador para dizer: “Peraí, como é que a gente pode potencializar tudo isso? Como é que essa iniciativa pode ir mais longe? Como é que isso aqui tem que ser reconstruído para ser inovador?” Eu acho que isso é fundamental. E o fato de vocês estarem fazendo é, de novo, mais 10 casinhas andadas no jogo.
Marta Pipponzi é escritora, tradutora, diretora do Literat, espaço de locação de eventos, de criação de conteúdos literários e de apoio a iniciativas artísticas. Atualmente, faz Mestrado em Escrita Criativa (Não-Ficção) na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde mora com suas três filhas e marido.
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