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Ecossistema de Inovação Social em Longevidade 2024

Prefácio

Por Alexandre Kalache

Um ecossistema é um conjunto formado pelas interações entre componentes bióticos, como os organismos vivos: plantas, animais e micróbios, e os componentes abióticos, elementos químicos e físicos, como o ar, a água, o solo e minerais. Estes componentes interagem através das transferências de energia dos organismos vivos entre si e entre estes e os demais elementos de seu ambiente.

Começo esse prefácio definindo ecossistema pois para alguns, não familiarizados com o termo, pode parecer estranho estarmos falando de ecossistema no contexto de inovação social. O termo, no entanto, se adapta perfeitamente ao que propõe o Lab Nova Longevidade ao realizar um trabalho minucioso auscultando centenas de organizações acadêmicas, da sociedade civil, do setor privado e órgãos públicos para nos apresentar uma visão ampla do que estamos vivendo em relação a Longevidade.

Senhora idosa aproveita o dia ao ar livre
É inegável que estamos diante de uma Revolução – a da Longevidade. Se revolução é algo que se passa em uma sociedade de forma súbita e de que a partir daí a sociedade não será a mesma, o envelhecimento populacional é revolucionário para um país que até bem pouco se definia como jovem.

Vou personalizar. Quando eu nasci, em 1945 a expectativa de vida para um bebê como eu estava por volta de 47 anos. A população acima de 60 anos não passava de 4.5%. Já quando eu me formei em Medicina, em 1970, a expectativa de vida ao nascer (EVN) tinha aumentado 10 anos, em torno de 57 anos. E as pessoas idosas representavam em torno de 8%. Hoje a EVN ao nascer está próxima aos 77 anos e a população idosa em torno de 16%. As projeções indicam que teremos 68 milhões de idosos em 2050, o dobro dos 34 milhões atuais. E a proporção deles na população ultrapassará 30%. É revolucionário e desafiador. Estaremos entre os três países em desenvolvimento que mais rapidamente envelheceram nos próximos 25 anos. Lembrando que 2050 é amanhã – basta um brasileiro ter hoje 35 anos para se tornar um sexagenário em 2050. E o tempo voa!

Estamos preparados para responder a essa revolução da longevidade? A única forma de sabê-lo é fazendo um estudo amplo, abrangente, envolvendo todos os setores da sociedade – como se propôs o Lab Nova Longevidade. Até porque não adianta olhar para os países desenvolvidos para ver como eles responderam e se adaptaram ao envelhecimento população. A razão é simples: eles primeiros enriqueceram para depois envelhecerem. Nós estamos envelhecendo muito mais rapidamente em um contexto de muito pobreza e desigualdade social. Basta dizer que à França foram necessários 145 anos para dobrar a proporção de idosos de 10 para 20%, a partir de 1845. Outros países ricos tiveram experiências demográficas similares. Nós iremos experimentar tal ‘dobrar’ entre 2011 e 2030 – dezenove anos, uma geração enquanto a França o fez ao longo de 7 ou 8 gerações. Com recursos pois desde o século XIX era um dos países mais poderosos e ricos do mundo. 

Há mais. Segundo dados do IBGE e do IPEA, em torno de 2040 nossa população terá chegado a seu nível mais alto. A partir daí, encolherá. Nossas taxas totais de fecundidade (TTF, número médio de filhos que uma mulher espera ter ao final de sua vida reprodutiva) estão abaixo do nível de reposição desde o ano 2000.  Se um casal não tiver dois filhos, ele não se repõe. As TTF do Brasil estão por volta de 1,7 desde antes do final do século passado. O único subgrupo da população que continua a crescer desde então é o dos 60+.

O próprio Mapeamento é fruto de uma série de conexões possíveis a partir da rede de impacto que se formou para apoiar o filme Quantos Dias. Quantas Noites, documentário que mergulha nos desafios do envelhecimento e do cuidado em contextos de desigualdade no Brasil. Nesta rede se conectaram Ashoka e Instituto Beja. O Lab Nova Longevidade é fruto desse encontro e já nasce com os mais de 40 anos de conhecimento acumulados pela Ashoka, maior rede de inovadores sociais do mundo, e com o compromisso da filantropia estratégica e disruptiva do Instituto Beja.

Estamos preparados para tamanho desafio? O ecossistema em que nosso processo de envelhecimento se dá exige o estabelecimento de respostas que passam pela Saúde Pública (práticas e sistema de saúde); o local onde as pessoas trabalham e produzem; os serviços disponíveis na comunidade, onde a maioria das pessoas idosas vive e envelhece.

Acima de tudo, estamos preparados para forjar laços fortes intergeracionais – como tão bem o Lab Nova Longevidade se propõe? E para combater o grande último tabu, o preconceito contra as pessoas idosas que alguns chamam de etarismo – mas que eu prefiro chamar de idadismo, remetendo a idade, como racismo remete a raça, sexismo a sexo, capacitismo a capacidade funcional. E quando todos se encontram e se superpõem aí, definitivamente, a sociedade se torna disfuncional para o prejuízo de todos.

Sobre Alexandre Kalache

Médico e gerontólogo, Alexandre Kalache é presidente o Centro Internacional de Longevidade Brasil (International Longevity Centre Brazil – ILC-BR), co-diretor da Age Friendly Foundation. É PhD em epidemiologia pela Universidade de Oxford, fundador da Unidade de Epidemiologia do Envelhecimento da Universidade de Londres e criador do primeiro mestrado em Promoção da Saúde da Europa. Kalache dirigiu o Departamento de Envelhecimento e Curso de Vida da Organização Mundial da Saúde (OMS), onde concebeu e publicou, em 2002, o Marco Político do Envelhecimento Ativo e, em 2005, a iniciativa Cidades Amigas do Idoso. Os dois referenciais são conhecidos e aplicados mundialmente. Em todo o mundo, mais de mil iniciativas já incorporam a abordagem “amigável ao idoso” às políticas públicas de cidades, comunidades, estados, bairros, hospitais, unidades de atenção primária, universidades entre outras. Alexandre Kalache integra conselhos em diversas partes do mundo, atua como consultor em diferentes países e é professor em cinco universidades no exterior.

Seja bem-vindo(a) ao Ecossistema de Inovação Social em Longevidade.
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