Beltrina Côrte

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Portal do Envelhecimento e Longeviver

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O conhecimento que era produzido ali para uma pequena tribo de acadêmicos que estudavam o envelhecimento não chegava à sociedade.

Beltrina Côrte

O Portal do Envelhecimento e Longeviver nasceu dentro da academia e depois se tornou uma empresa de negócio social. Qual é a missão do portal hoje? Como o portal vem contribuindo para o ecossistema de longevidade no Brasil?

Beltrina Côrte: O portal nasceu dentro da academia. E qual era a nossa grande dor na academia? É que o conhecimento que era produzido ali para uma pequena tribo de acadêmicos que estudavam o envelhecimento não chegava à sociedade. Foi em 2014 que o Portal do Envelhecimento virou uma empresa familiar e um negócio de impacto social com esse objetivo de continuar transferindo informações qualificadas sobre envelhecimento para a sociedade a fim de se construir uma cultura da longevidade. Então aquele objetivo inicial, ele continua até hoje. O nosso papel tem muito de educação, de educomunicação, propriamente dita. Queremos ajudar realmente as pessoas a refletir sobre o envelhecimento e não de uma forma supérflua. Ao contrário, com informações com fontes reconhecidas e com credibilidade. E nós estamos aqui há vinte anos, extraoficialmente. Como empresa mesmo, há dez anos.
Uma jovem senhora faz exercício

Como você avalia a contribuição das pesquisas acadêmicas para o desenho, implantação e avaliação de políticas públicas voltadas para a pessoa idosa?

Beltrina Côrte: Eu acho que aí a gente está falando de duas coisas. No Brasil, nós temos uma produção acadêmica que não chega, digamos, a uma grande maioria. Por outro lado, nós temos gestores que não leem as pesquisas que são realizadas. Eu lembro que na época, pelo menos na PUC de São Paulo, o único objetivo que a gente sempre exigia que o aluno colocasse como objetivo específico era: qual é a contribuição social da tua pesquisa? O aluno não sabia. Seja contribuir ou subsidiar com a formulação de políticas públicas em relação à área cultural, de saúde, enfim, o aluno tinha que repensar. E aí sim, um gestor, alguém que está ali à frente de uma área que está pensando em serviços, em produtos ou em políticas, ele deve acompanhar as pesquisas. Leia as pesquisas porque ali tem muitas sugestões, tem muitas formulações de políticas que podem ser implantadas no país.

Como você avalia a evolução da pesquisa sobre longevidade e o interesse dos pesquisadores pelo tema?

Beltrina Côrte: Eu acho que tem crescido bastante o interesse da Juventude pelo tema do envelhecimento, mas não ao ponto daquilo que a gente deseja. Enquanto estive vinculada à Psicologia da PUC (estou me aposentando esse ano), a gente sempre criava, eu e a Ruth (que foi uma das primeiras fellows da Ashoka), disciplinas eletivas, como por exemplo “Políticas Públicas Dirigidas à Pessoa Idosa na Cidade de São Paulo” ou então “Relações Intergeracionais”. Nunca diretamente o envelhecimento. Mas a gente ia pelas bordas até seduzir a juventude. A gente está até lançando uma cartilha sobre velhice com o pessoal do segundo ano da Psicologia. Trabalhamos com as subjetividades e envelhecimento. As velhices plurais, né? 

E o que que eu observo? Houve um aumento, sim, de interesse. Mas, infelizmente, a gente só tem dois cursos de graduação em Gerontologia no País, que vão estudar especificamente a questão do envelhecimento e formar profissionais para trabalhar mais com gestão, seja na área cultural, social ou de saúde. Um é da USP e outro da UFSCAR. Temos um monte de cursos de tecnólogos. Então, tem aumentado até porque as velhices estão batendo na porta dos jovens, né? Seja através dos avós ou dos pais. Mas o que eu observo é que, por outro lado, a área da educação oferece pouco. Ela deveria instigar, deveria estar pensando em diferentes formações que pudessem orientar inclusive outras áreas na questão do envelhecimento. 

Por que que eu falo isso? Na avaliação da graduação, nós temos por exemplo instrumentos, resoluções e portarias que obrigam todos os cursos a trabalharem com a questão ambiental ou com a questão étnica. E nós temos um estatuto da pessoa idosa que fala que a educação sobre o envelhecimento deveria ser desde o ensino fundamental. No entanto, nem no ensino superior ela aparece. Falta pressão. Então o que eu observo é que há uma procura; mas, por outro lado, você não vê as universidades ou o Ministério da Educação preocupados com essa temática.

Sobre essa questão desse gap entre o Estatuto da Pessoa Idosa, o que ele prevê e o que acontece na prática, é interessante você colocar essa questão que pressão social para influenciar mudanças ou execução de leis. Onde as pessoas idosas ficam nisso? Onde está a pressão que elas poderiam fazer?

Beltrina Côrte: Aí você está tocando num ponto: eu acho que as pessoas idosas só farão pressão quando elas pararem de ter vergonha da sua velhice. O autoidadismo é uma grande barreira para o exercício da cidadania ao longo da vida.

O autoidadismo é uma grande barreira para o exercício da cidadania ao longo da vida.

O Portal do Envelhecimento e Longeviver também possui uma seção de Cursos e mantém um curso EAD gratuito chamado "Projetos Sociais – elaboração e captação de recursos". De onde vem a necessidade desse curso?

Beltrina Côrte: Esse curso faz parte do edital de seleção de projetos sociais do Itaú Viver Mais, via fundos do idoso. O portal presta um serviço: faz avaliação documental desses projetos que chegam. Depois da nossa avaliação técnica, os melhores projetos vão para o comitê parecerista que o Itaú Viver Mais monta, mas já são projetos de organizações da sociedade civil apresentados para os respectivos conselhos municipais ou estaduais. São os conselhos que aprovam e, uma vez aprovado, as organizações podem inscrever o projeto em editais como esse.  Junto com Itaú Viver Mais, decidimos que era preciso capacitar as organizações para melhorar a qualidade desses projetos, até para melhorar a qualidade da entrega que eles prometem. Então a gente montou esse curso, patrocinado pelo Itaú Viver Mais no qual tratamos de temas cruciais para as organizações proponentes. A pessoa se inscreve e a gente oferece oficinas, onde ela põe a mão na massa e a gente orienta, supervisiona, elaborando junto o projeto. A gente começou no ano passado, o curso com as oficinas. Possivelmente já chegarão alguns projetos mais qualificados. Mas esse é um processo educativo e, como todo o processo educativo, a gente vai ver esses resultados daqui a 10 anos, 15 anos.
Idosos discutem sobre um tema importante

Também em parceria com o Itaú Viver Mais, vocês realizarão o I Congresso Internacional Envelhecer com Futuro, que acontecerá dentro da ExpoLongevidade nesse ano. Além de intercâmbio entre pesquisas nacionais e internacionais, o Congresso objetiva aproximar a academia, o poder público, o mercado e a sociedade para a construção de uma sociedade para todas as pessoas e livre das barreiras etárias. Por que essa aproximação é importante?

Beltrina Côrte: A gente tem um foco muito grande nas políticas públicas. No Brasil, a Academia está em um canto, o governo em outro e a sociedade em outro. E sempre se joga a responsabilidade de tudo para o Estado. O Estado não dá conta. Eu acredito que o envelhecimento seja uma corresponsabilidade entre todos. Mas eu acho que falta esse diálogo. Esse ano a gente convidou 3 pesquisadores internacionais do México, Portugal e Argentina, além de abrir as inscrições para posteres. Vamos levar um Congresso que vai tratar de pesquisas acadêmicas para um evento que é do mercado. Então a gente tem como objetivo romper essas barreiras e estabelecer esse diálogo. Algumas dessas pesquisas são feitas inclusive por órgãos públicos. A gente acredita que tem que se relacionar até para procurar soluções. Isso é uma responsabilidade. Não dá só para jogar para o lado. Acho que o Itaú Viver Mais vem cumprindo com essa missão, mas a gente acredita que todos são responsáveis por uma maior dignidade no nosso envelhecer. E aí é o envelhecer com futuro. O envelhecer tem que ter futuro. Sem futuro, não há envelhecimento.

Eu acredito que o envelhecimento seja uma corresponsabilidade entre todos.

O mapeamento realizado pelo Lab Nova Longevidade reúne mais de 400 iniciativas de todos os setores que estão ajudando a repensar a longevidade no Brasil. O que precisa acontecer para que a sociedade crie mais demanda por soluções que viabilizem e valorizem as contribuições de pessoas de todas as idades?

Beltrina Côrte: Eu diria que, no fundo, se uma iniciativa nasce apenas com o foco financeiro, ela está fadada a desaparecer. Há um quê de militância, um quê de social que tem de fazer parte, porque trabalhar com envelhecimento não é fácil, existe uma militância. Tem que ser atravessada pela questão social, então a iniciativa tem que ter uma pegada de negócio social mesmo. Se é uma startup só, se não tem essa pegada, são poucas as que se mantêm.

Por último, você se reconhece como uma agente de transformação do mundo? Como é envelhecer nesse papel?

Beltrina Côrte: Olha, eu fui convidada para ter uma fala no Congresso Municipal, que vai acontecer na ExpoLongevidade. Eu fui convidada pela primeira vez na minha vida como pessoa idosa, não como Beltrina acadêmica, nem como CEO do Portal do Envelhecimento, mas como Beltrina Côrte de 65 anos. Então foi bem bacana, né? Porque é um reconhecimento social. Eu falo que eu tenho muito orgulho de ser velha. Eu gostaria de usar mais a palavra velha. Com meus alunos da Psico, meus aluninhos novinhos, eu falo velha, sem barreiras. E eles levam isso para casa. Então acredito que, como educadora, a gente cumpre também esse papel. Mesmo a mídia, eu vejo a mídia também como uma grande educadora. No nosso falar cotidiano, a gente ajuda o outro a tirar essas barreiras e vai do aluno para sua família, para os amigos. Só que é um processo lento, porque estamos falando de educação. Mas eu me considero sim uma pessoa na área da comunicação, como educadora e como estudiosa do envelhecimento, tentando cumprir esse meu papel de que as pessoas reflitam, começando por mim mesma – de me reconhecer como velha com as fragilidades que vão aparecendo. Hoje mesmo, eu estou nesse processo de me aposentar da PUC. Esse desligamento é um processo de desapego. É o meu processo singular de mulher velha, branca, escolarizada, quer dizer, eu tive essas oportunidades também para estar falando isso hoje. Eu acho que nem todas as pessoas têm essas oportunidades. E tem gente que tem e não faz uso delas também.
Beltrina Côrte

Sobre Beltrina Côrte

Beltrina Côrte é jornalista, docente da PUC-SP e CEO do Portal do Envelhecimento e Longeviver. Estudiosa do envelhecimento humano pela perspectiva humanística desde os anos 90.

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