Gabriela Agustini

Gabriela Agustini

Fellow Ashoka / Olabi

"

Estar à margem do digital hoje é estar também à margem de direitos e do exercício de cidadania. Perde a população com mais idade, perde a sociedade como um todo.

Gabriela Agustini

O Olabi se propõe a democratizar as tecnologias como forma de transformar a sociedade na busca por um mundo mais justo. Quais são os desafios quando se fala de inclusão e letramento digital da população idosa no Brasil?

Gabriela Agustini: Acho que são vários, dentro os quais eu elencaria: a falta de familiaridade com as novas tecnologias (por uma barreira geracional/ cultural); e o sentimento de insegurança/ inadequação que isso traz; a ausência de políticas públicas que estimulem este letramento e aproximação; a falta de conectividade/ dificuldade de acesso, o etarismo tão presente na nossa cultura; e o próprio desenho das interfaces/ sistemas que muitas vezes não consideram as especificidades deste público tornando-se uma barreira a mais.
Um senhor negro, olha diretamente para a frente com olhar profundo

Por que garantir a inclusão digital da população idosa é importante? Quais são as consequências para participação e cidadania ao longo da vida?

Gabriela Agustini: Se o digital é a infraestrutura do século 21 e por onde rodam boa parte dos sistemas econômico, social, financeiro, político, comunicacional, deixar qualquer pessoa de fora é grave. A população acima de 60 anos hoje representa mais de 11% do país e em tendência de bastante crescimento, logo, passa a ser um grave problema público. Se considerarmos ainda que é a população que já contribuiu muito com o país ao longo de sua vida e deveria, nesta fase, ser cuidada não apenas em retribuição, mas também como possibilidade de acessarmos a memória da nossa história, fica ainda mais importante olharmos para essa fatia da população. Estar à margem do digital hoje é estar também à margem de direitos e do exercício de cidadania. Perde a população com mais idade, perde a sociedade como um todo.

Durante a pandemia, vocês lançaram a iniciativa "Aprenda Com Uma Avó" que, além do letramento digital, proporcionou a valorização os saberes e fazeres dessas mulheres. Quais foram os impactos dessa iniciativa para as participantes e para suas famílias e comunidades?

Gabriela Agustini: Foi um processo muito bonito porque partimos da ideia de reforçar os saberes das pessoas e, a partir disso, estimulá-las a dar aulas online sobre aquele assunto. Para montar as aulas, o participante ia aprendendo diversas ferramentas comuns, que eram importantes naquele contexto. Vimos as pessoas conseguindo se conectar melhor com seus familiares, encontrando informações relevantes para si, além de resgatarem a memória de algo que era importante para elas. A gente percebeu que muitas vezes a própria rede das pessoas não tinham ideia do tamanho e complexidade do conhecimento que elas acumulavam. Foi também uma poderosa ferramenta de conexão entre os participantes, que se viam e se reconheciam uns nos outros.

De que maneira os empreendedores sociais podem colaborar com o setor público nos desafios de inclusão digital da pessoa idosa? Há algum caso que ilustre uma contribuição exitosa?

Gabriela Agustini: Vejo quatro contribuições muito importantes que empreendedores sociais podem dar: apontar causas/ questões que ainda não estão no radar das políticas públicas; criar iniciativas que testem modelos que podem ser adaptados e ganhar escala pelas políticas públicas; dar contribuições em fóruns/ espaços de discussões públicos que existem para ajudar na formulação do que hoje a sociedade precisa; criar/ monitorar dados e indicadores em territórios ou causas específicas, que ajudem os governos a orientarem as suas ações. Existem muitas outras, claro. Toda a sociedade ganha quando as organizações e os arranjos sociais trabalham em conjunto com as políticas. A Redes da Maré no Rio de Janeiro é uma organização que tem um trabalho muito exitoso nesse sentido.

De que maneira os empreendedores sociais podem colaborar com a iniciativa privada nos desafios de inclusão digital da pessoa idosa? Há algum caso que ilustre uma contribuição exitosa?

Gabriela Agustini: Acho que o primeiro apontar para as empresas que esse público existe, é potente, numeroso e em crescimento, para que eles não sejam ignorados, em especial, no desenvolvimento dos serviços e interfaces (o que inclui também pensar em como as pessoas que não conseguem lidar com o digital vão fazer parte dos seus serviços/ produtos). E aí tem uma outra camada que é simbólica, de estimular que as empresas entendam e ilustrem melhor este público, que muitas vezes fica estereotipado e longe do que é a realidade da população acima de 60 anos nos dias de hoje. Outro ponto é estimular que sejam criadas ações de letramento digital, já que, muitas vezes, são as empresas que estão impulsionando (e ganhando) com esse processo na sociedade. É importante que passe a existir uma consciência de que é preciso trabalhar para que o digital não aprofunde exclusões.

É importante que passe a existir uma consciência de que é preciso trabalhar para que o digital não aprofunde exclusões.

Um casal 60+ brinca com seu cachorro ao ar livre

O Olabi lançou recentemente o projeto Transborda60+. O que o projeto tem de inovador?

Gabriela Agustini: O Transborda60+ é a continuidade do Aprenda com uma Avó, no sentido de seguirmos trabalhando pelo letramento digital e midiático das pessoas acima de 60 anos no Brasil. A inovação está, em especial, na metodologia do Olabi, que parte da construção de redes, do diálogo entre pares e rompe os moldes tradicionais de cursos educacionais. Esperamos chegar em um momento em que treinamos apenas multiplicadores, que possam replicar os ensinamentos em suas comunidades/ suas redes/ seus entornos, para que esse conhecimento possa chegar mais rápido em mais gente e para que as pessoas acima de 60 saibam onde encontrar alguém perto que possam ajudá-las a lidar com desafios que, cada vez mais, são diários. Pesquisas mostram que as pessoas acima de 60 se sentem mais confortáveis em aprender sobre isso com pessoas que estão na mesma faixa etária, pois entendem que isso é possível, não se sentem um peso, antiquados ou algo que acaba rolando quando o diálogo se dá com gerações mais jovens (às quais associamos mais facilmente o digital). Então, o Transborda60+, assim como a Pretalab, um projeto bem-sucedido do Olabi, parte desta lógica de rede de pares.

Qual a importância da diversidade etária nas equipes que estão desenvolvendo produtos, serviços e mesmo políticas públicas?

Gabriela Agustini: No Olabi acreditamos que os produtos, serviços, políticas precisam ser desenhados por equipes que tragam diversidade de gênero, etária, de raça, entre outros marcadores, se aproximando da composição demográfica do país, e considerando também especificidades de grupos que não são numerosos. Pois só assim conseguimos ter qualidade no que está sendo criado, no sentido de ter mais entendimento das reais demandas da população. E aí é importante dizer que estamos trabalhando com o público 60+, com especial ênfase nas mulheres, e na população negra, porque a interseccionalidade é importante de se considerar na realidade brasileiro, pois as barreiras sociais têm gênero, cor, endereço etc.

Existe alguma mudança na dimensão política, econômica ou cultural da sociedade que poderia alavancar a inclusão digital da pessoa idosa?

Gabriela Agustini: Acho que existe uma dimensão que é mudar o olhar que temos para as pessoas acima de 60 anos, que ficou ultrapassado e é de uma época em que a expectativa da vida era décadas menor. Para além disso, políticas de inclusão e letramento digital e midiático, de acesso e conectividade (incluindo acesso a aparelhos/ equipamentos), dentre outras, são bem importantes.

O idadismo impacta a adoção de tecnologia digital pelos 60+?

Gabriela Agustini: Muito. Como o digital é algo recente é natural que tenhamos a visão que é algo de pessoas jovens. Aí os públicos que estão fora dessa categoria facilmente se veem como não pertencentes – o que é reforçado pela publicidade, pelas interfaces e todo o sistema. Por isso que desenhar as soluções sempre considerando esse público é importante, para diminuir essa barreira.

O mapeamento reúne mais de 400 iniciativas de todos os setores que estão ajudando a repensar a longevidade no Brasil. O que precisa acontecer para que a sociedade crie mais demanda por soluções que viabilizem e valorizem as contribuições de pessoas de todas as idades?

Gabriela Agustini: Acho que o mais importante é entendermos isso como uma dimensão transversal de muitos processos, para que como disse acima essa população não seja esquecida, e nem vista apenas como usuária/ beneficiária e sim como agente de criação de transformação. Essa é a mudança de mentalidade que precisamos fazer em diversas esferas. (incluindo acesso a aparelhos/ equipamentos), dentre outras, são bem importantes.
Gabriela Agustini

Sobre Gabriela Agustini

Gabriela Agustini é fundadora e co-diretora executiva do Olabi, organização social brasileira com 10 anos de atuação dedicada a democratizacao das tecnologias e que trabalha com organizações como Google, Disney, Open Society Foundations, Fundação Ford. Membro fundadora do Global Innovation Gathering (GIG), baseado em Berlim e com atuação global, é palestrante e professora em cursos livres e eventos nacionais e internacionais, tendo sido destaque em mais de 20 países dos 5 continentes. É co-organizadora e autora do Livro “De Baixo para Cima” (Editora Aeroplano, 2014), apresentadora do “Conexão Maker”, reality show exibido no Canal Futura sobre empreendedorismo, tecnologias emergentes e impacto social, da série “Exponencial” na TV Cultura e do Podcast Antes Tech do que Nunca, da Totvs, maior empresa de tecnologia do Brasil. É graduada em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), mestre em design e sociedade pela PUC- Rio, com certificação em Estudos de Futuros pela Parsons (The New School de Nova York). É Fellow da Ashoka.

Compartilhe esta entrevista:

Sugestões para ler na sequência:

Pular para o conteúdo