João Souza

João Souza

Fellow Ashoka / Fa.vela / Perifa60+

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Todos os aspectos de uma vida saudável passam atualmente pelo digital, seja a manutenção da saúde e de hábitos saudáveis, movimentações financeiras, ou a vida social.

João Souza

O FA.VELA é um hub de educação e aprendizagem empreendedora, inovadora, digital e inclusiva. Quais são os desafios quando se fala de inclusão e letramento digital da população idosa no Brasil?

João Souza: Um dos maiores desafios que enfrentamos é o de conscientizar a população e as instituições acerca da urgência e da necessidade da inclusão digital da população idosa no Brasil. A inclusão digital é normalmente retirada da equação quando falamos sobre longevidade e qualidade de vida para a população 60+, mas isso não reflete a realidade.  Todos os aspectos de uma vida saudável passam atualmente pelo digital, seja a manutenção da saúde e de hábitos saudáveis, movimentações financeiras, ou a vida social.
Uma senhora ri, enquanto coloca a mão no rosto

Por que garantir a inclusão digital da população idosa é importante? Quais são as consequências para participação e cidadania ao longo da vida?

João Souza: Vivemos em um mundo cada vez mais conectado, por isso a inclusão digital de pessoas idosas é parte essencial para promover uma vida plena e ativa para a população 60+. Todos os âmbitos da vida em sociedade atualmente passam pelo digital, e a falta de acesso promove também a impossibilidade de total participação social e de exercício da cidadania. Já vivemos em momento em que a tecnologia não é somente uma extensão da sociedade, e sim o seu reflexo, por isso a inclusão digital é também uma forma de garantir a participação de todos.

O programa Perifa60+ oferece capacitações para o desenvolvimento de habilidades digitais, empreendedoras e de liderança, além de oferecer ferramentas profissionalizantes para população periférica acima de 60 anos. Quais impactos dessa iniciativa para os participantes e para suas famílias e comunidades?

João Souza: O Perifa 60+ promove a autonomia, a liberdade e o empoderamento de pessoas idosas e isso carrega um grande poder transformador não somente de quem participa dessa jornada como das pessoas ao seu redor. Ao invés de olharmos sob a lógica do etarismo, que diz que pessoas 60+ são incapazes de exercerem plenamente inúmeras atividades e participarem ativamente da vida em família e em comunidade, nós colocamos essas pessoas como protagonistas, com liberdade e capacidade de fazerem aquilo que quiserem. Elas deixam de ser vistas como pessoas que apenas necessitam de cuidados para se tornarem pessoas que vivem de forma plena, capazes de inspirar outras gerações e com uma bagagem incrível de vida que pode transformar comunidades e ensinar a todos, seja no âmbito pessoal ou profissional.

Entre os 60+ participantes do programa Perifa60+, 80% são mulheres e 79% são pessoas negras. O que a inclusão digital transforma na vida dessas mulheres em particular?

João Souza: A exclusão digital é um reflexo da marginalização histórica de grupos específicos, ela não ocorre a partir de uma lógica diferente. Empoderar essas mulheres para que elas tenham maior poder de decisão sobre a sua vida, para que elas tenham pleno acesso à informação e para que usem a tecnologia de forma segura é também diminuir a condição histórica de desigualdade na qual elas muitas vezes tiveram que viver. Para a sociedade, criamos uma realidade menos desigual, e para cada uma dessas mulheres individualmente, criamos um espaço seguro em que elas tenham condições de crescer, de viver de forma mais plena.

A exclusão digital é um reflexo da marginalização histórica de grupos específicos, ela não ocorre a partir de uma lógica diferente.

De que maneira os empreendedores sociais podem colaborar com o setor público nos desafios de inclusão digital da pessoa idosa? Há algum caso que ilustre uma contribuição exitosa?

João Souza: A vivência com a ponta é um diferencial essencial de empreendedores sociais. Nós temos a oportunidade de acompanhar de perto o nosso público, saber quais são as suas necessidades e entender as suas demandas, e isso é de extrema importância para resolvermos não somente os desafios da inclusão digital como quaisquer outros que tenhamos que enfrentar na sociedade. Conseguimos colaborar com o poder público porque o nosso contato nos permite trazer soluções que muitas vezes não são percebidas por quem não tem esse olhar próximo.
Uma senhora de óculos

De que maneira os empreendedores sociais podem colaborar com a iniciativa privada nos desafios de inclusão digital da pessoa idosa? Há algum caso que ilustre uma contribuição exitosa?

João Souza: Notamos que muitas vezes, o setor privado se empenha em desenvolver inovações para um público que não reflete de fato as suas as necessidades e desejos. Além disso, muitas das inovações criadas atualmente são pensadas para nativos digitais e não são desenvolvidas para pessoas que, muitas vezes querem se tornar usuárias de um produto ou serviço, mas não o fazem apenas pela falta afinidade com a tecnologia.

Qual a importância da diversidade etária nas equipes que estão desenvolvendo produtos, serviços e mesmo políticas públicas?

João Souza: Um dos lemas que nos rege no FA.VELA é: “empatia não substitui vivência”. De nada adianta pensar em soluções que não incluem o ponto de vista de quem mais precisa delas, e por isso a diversidade etária é essencial no desenvolvimento de produtos, serviços e políticas públicas. A pluralidade de ideias é muito importante para o desenvolvimento da melhor solução possível, mas o que ocorre na maioria das vezes é que apenas certos grupos ficam encarregados de pensar e promover transformações para grupos plurais de pessoas. Quando não damos voz às principais partes interessadas, muitas vezes gastamos nossos esforços em criar soluções que em nada se adequam a quem precisa delas.

Existe alguma mudança na dimensão política, econômica ou cultural da sociedade que poderia alavancar a inclusão digital da pessoa idosa?

João Souza: Acredito que mudanças nesses três âmbitos são extremamente importantes para alavancar a inclusão digital da pessoa idosa, e todas elas partem do mesmo princípio: a nossa mentalidade e visão sobre pessoas 60+. Enquanto pensarmos em pessoas idosas como indivíduos “frágeis” e que precisam apenas sobreviver, e não viver de maneira plena, estaremos condicionando nossas políticas públicas, o mercado de trabalho e a sociedade como um todo a limitar pessoas idosas – colocando-as nessa caixinha que não reflete a realidade. Precisamos entender, retratar e sempre promover o fato de que a população idosa deve estar sempre plenamente inserida na sociedade. Esse deve ser o norteador de todas as ações de políticas públicas, econômicas e culturais que pensamos atualmente. Ao mantermos isso em mente, conseguimos colocar a inclusão digital no centro das ações pensadas para pessoas idosas, assim como fazemos com jovens.

O idadismo impacta a adoção de tecnologia digital pelos 60+?

João Souza: Com absoluta certeza! O maior obstáculo enfrentado pela população 60+ é a ideia de que eles “não são capazes” ou “não possuem interesse nem habilidades com as tecnologias”, e esses são pensamentos totalmente etaristas. Muitos dos nossos alunos se veem surpresos com a facilidade que têm em navegar pelo meio digital, pois sempre lhes disseram que seria o contrário.

O mapeamento reúne mais de 400 iniciativas de todos os setores que estão ajudando a repensar a longevidade no Brasil. O que precisa acontecer para que a sociedade crie mais demanda por soluções que viabilizem e valorizem as contribuições de pessoas de todas as idades?

João Souza: Quando pensamos em crianças e jovens, a maior referência que temos é que essa turma que irá construir “um novo futuro”, e por que não pensamos em pessoas idosas como agentes igualmente importantes nessa construção? Acredito que quando tiramos de pessoas 60+ esse papel ativo, e voltamos a elas um olhar condescendente, deixamos de valorizar as contribuições e o poder transformador que essas pessoas possuem. A mentalidade sobre o que pessoas 60+ representam na sociedade e sobre a capacidade individual de cada uma delas é um fator determinante nesse processo de valorização. Quando passarmos a entender que precisamos valorizar contribuições plurais para resolvermos problemas de uma sociedade igualmente plural, passaremos a pensar em soluções que viabilizem a participação de todos. 
João Souza

Sobre João Souza

João Souza é profissional com mais de 17 anos de experiência em design e execução de projetos nas áreas de educação, tecnologia e impacto social no setor público, privado e terceiro setor. Co-fundador e Diretor de Novos Negócios e Parcerias do FA.VELA, atuo no design e gestão de projetos nas áreas de Educação, Inovação Social, Diversidade & Inclusão (DEI) e futurologia para apoiar empresas, setor público e também OSC’s e negócios de impacto nos seus desafios. É também Fellow e membro do Comitê Global de Diversidade e Inclusão da Ashoka Goobal, atuando no advocacy de direitos e inclusão de pessoas negras, LGBTQIAPN+ e outros grupos vulnerabilizados.

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