Secretaria Extraordinária de Inclusão Digital e Apoio às Políticas de Equidade do Rio Grande do Sul
Eu acho que a gente só constrói política quando as pessoas a quem vamos servir estão na mesa tomando essa decisão.
Lisiane Lemos
Lisiane Lemos: Eles contribuem para o nosso primeiro piloto de turmas exclusivas num cenário pós-enchente. A gente tem cinco centros humanitários de acolhimento, que são os grandes abrigos. Então pessoas desalojadas estão na casa de parentes. Pessoas desabrigadas estão nos abrigos, que é o vulnerável do vulnerável, do vulnerável. E eu pedi para o vice-governador, que é o orquestrador de tudo, para que a gente organizasse todas as atividades de desenvolvimento e qualificação dentro dos centros humanitários. E lá eu tenho uma média entre 20 e 30 por cento da população 60+. E aí a gente vai desenvolver oficinas de pensamento computacional sem computador. E a gente vai ter turmas exclusivas, 60+ em parceria com uma universidade. A gente vai ter turmas de formação empreendedora e a gente vai ter formações exclusivas. Claro que, qual é o primeiro passo antes de eu colocar qualquer solução? Ir lá e perguntar se essas pessoas estão a fim. Isso também é outra coisa que a gente enfrentou dentro da secretaria. Todo mundo chega e assume que as pessoas idosas querem isso ou querem aquilo. Eu falei: primeiro vocês vão lá perguntar, depois a gente vai desenvolver. Então, pensando no cenário pós-enchente, teve muita gente que estava no topo da pirâmide falecendo porque não queriam sair das suas casas. Tem um quê informativo que a gente tem aí de segurança junto com a Defesa Civil. Tem muita gente que não teve acesso à informação porque não tem nenhum meio tecnológico e por isso algumas das nossas informações vão ser super básicas de uso de GovBr, boletim de ocorrência, reconhecimento de fake news, etc, etc, etc. E aí depois, se essa pessoa tiver afim, ela vai subindo na escada. Ela pode fazer aula de marketing digital, pode fazer aula de empreendedorismo, pode fazer aula de programação. A gente está muito nesse crescimento, mas acho que é sempre isso: primeiro é não pressupor que as pessoas sabem as coisas. Porque também existe um medo. E eu trabalho com inovação há muito tempo, você não se sente seguro de dizer “eu não sei mexer no celular”. Então, é proporcionar um ambiente de segurança psicológica, acompanhar a pessoa idosa na rampa de aprendizado e medir no meio do caminho para ver se está sendo eficaz. Mas o ponto desafiador é que os centros humanitários são feitos para durarem seis meses, sempre renováveis por mais seis, e o nosso termo termina em dezembro de 2026. Então, a cada dia que passa eu estou correndo contra o relógio.
“Todo mundo chega e assume que as pessoas idosas querem isso ou querem aquilo. Eu falei: primeiro vocês vão lá perguntar, depois a gente vai desenvolver.“
Lisiane Lemos: Um país tem que ser construído para todo mundo. Todo mundo tem que se sentir feliz. Tem uma parte do nosso mapa estratégico que é uma sociedade justa, inclusiva e feliz. Eu quero que as pessoas naquele estado, elas sintam que o Estado é delas, que o Estado é feito para elas e que a gente possa ajudá-las a não só serem longevas, mas a terem uma longevidade com qualidade, acesso. É um estado plural, onde as pessoas de todas as faixas etárias têm voz. Fazendo a jornada, por que eu e o Eduardo, meu chefe, a gente colocou o nome da Secretaria de Políticas de Equidade? Quando eu falo de equidade, é sobre dar as das ferramentas na medida das desigualdades dessas pessoas. Então eu construo turmas diferentes, mas eu permito que elas se sentem à mesa tomando essas decisões e falando, olha, quando vocês forem construir a política pública para pessoas idosas, deixa o idoso falar? Incluindo digitalmente a população idosa, eu soluciono grande parte dos problemas socioeconômicos que eu tenho no meu estado. Eu soluciono o êxodo de talentos, porque eu desenvolvo novos talentos que possam gerar renda. Com acesso à informação, eu vou mitigar problemas de saúde, porque essas pessoas vão deixar de ir aos postos. Eu vou mitigar problemas tributários, porque elas vão ter também uma visão financeira e orçamentária muito melhor. Eu vou ter problemas psicológicos e familiares e de combate à violência muito menores, porque as pessoas vão ter acesso à informação, vão conseguir dialogar e construir essas políticas. Então, eu poderia ficar muito tempo falando sobre os benefícios, mas eles são sempre nessa raiz. Se eu acredito que a pluralidade constrói inovação e aumenta o poder econômico de qualquer estado, eu preciso que essas pessoas sejam vocais. E eu acho que tem um efeito colateral que é de inspiração de outros estados. Isso porque se, no Estado que tem a população mais longeva do país, a gente conseguiu construir políticas efetivas num modelo escalável, eu posso emprestar, doar, ensinar para os meus pares. Então, acho que tem esse efeito cascata.
Lisiane Lemos: A gente só vai criar demanda se a gente tiver acesso ao dado e à informação. Enquanto as pessoas não tiverem consciência do perfil populacional que a gente tem, elas não vão criar demanda. O que eu quero dizer com isso? Eu só descobri que eu vivia no estado mais longevo do país quando eu me sentei numa cadeira de secretária, sendo que durante 24 anos da minha vida eu vivi no Rio Grande do Sul. E as pessoas, elas só se preocupam com o que elas veem ou com a informação que chega até elas. Por que eu me preocupo com a minha segurança, com a criminalidade? Porque eu ligo a TV e ela está gritando todo dia que vão me assaltar na marginal. Mas não é todo dia que eu vejo a televisão olhando de uma forma otimista para o envelhecimento. Estamos ficando cada vez mais velhos; estamos cada vez mais produtivos; veja o exemplo de pessoa fulano de tal que está fazendo isso. Aí isso vai se tornar uma preocupação. Então, acho que a demanda só vai ser criada quando a gente conscientizar a população do cenário que a gente está vivendo aqui. Se não, ninguém vai se preocupar. Se você chegar nos meus 497 municípios, dos quais metade tem menos de 10.000 habitantes, eu posso afirmar com toda a certeza, que eles não sabem que nós somos a população mais longeva do país. Falta uma conscientização de que é bom, de que existe um caminho muito mais legal, de que essas pessoas podem contribuir mais. Mais casos de sucesso. Olhar por uma perspectiva otimista. Por exemplo, nossa secretária de educação tem 77 anos. A nossa secretária da Saúde tem 75, se eu não me engano. São as pessoas mais ativas e mais legais que eu conheço no governo. São as minhas ídolas. Elas me inspiram. Eu acho que falta isso. Eu tenho um mantra para a vida: a gente só sonha com o que a gente vê. Se eu ligo a televisão, se eu pego o celular e eu só vejo velhinhos fazendo tricô, jogando bocha, indo pro baile, eu não vou acreditar que essa pessoa pode ser uma pessoa programadora. Eu não vou acreditar que ela pode ter autonomia. Ela pode se aposentar e se aposentar pode ser legal, mas é um saber que está sendo desperdiçado. E isso vale para os jovens também. Narrativas de sucesso para que os jovens vejam que têm que aprender com as pessoas mais velhas.
Lisiane Lemos: Uma conscientização. Uma conscientização de que é bom, de que existe um caminho muito mais legal, de que essas pessoas podem contribuir mais. Mais casos de sucesso. Olhar por uma perspectiva otimista. Por exemplo, nossa secretária de educação tem 77 anos. A nossa secretária da Saúde tem 75, se eu não me engano. São as pessoas mais ativas e mais legais que eu conheço no governo. São as minhas ídolas. Elas me inspiram. Eu acho que falta isso. Só vamos gerar demanda quando a gente tiver bons exemplos que as pessoas vejam. Eu tenho um mantra para a vida: a gente só sonha com o que a gente vê. Se eu ligo a televisão, se eu pego o celular e eu só vejo velhinhos fazendo tricô, jogando bocha, indo pro baile, eu não vou acreditar que essa pessoa pode ser uma pessoa programadora. Eu não vou acreditar que ela pode ter autonomia. Ela pode se aposentar e se aposentar pode ser legal, mas é um saber que está sendo desperdiçado. E isso vale para os jovens também. Narrativas de sucesso que os jovens vejam que têm que aprender com as pessoas mais velhas.
“Eu tenho um mantra para a vida: a gente só sonha com o que a gente vê. Se eu ligo a televisão, se eu pego o celular e eu só vejo velhinhos fazendo tricô, jogando bocha, indo pro baile, eu não vou acreditar que essa pessoa pode ser uma pessoa programadora.“
Lisiane Lemos é especialista em tecnologia por escolha, sua paixão pelo universo digital surgiu da sua experiência como executiva em uma das multinacionais mais importantes do mundo. A partir disso, passou a se engajar em movimentos de inclusão de populações sub representadas em espaços empresariais, tornando-se porta-voz no ramo.
Seu principal desafio como figura de liderança é implementar o uso da tecnologia como instrumento de ascensão social dentro do mundo corporativo.
Para isso, co-criou e co-liderou iniciativas como a Rede de Profissionais Negros, o Comitê de Igualdade Racial no grupo Mulheres do Brasil, e o Conselheira 101. Também atua como mentora no programa de startups do Google, Black Funders Fund, e é professora no MBA de Tecnologia para Negócios da PUCRS.
Possui uma graduação em Direito, dois MBAs, um pós-MBA em Governança Corporativa e certificações nas áreas de educação e gestão de mudança. É nascida e criada em Pelotas, Rio Grande do Sul, e se considera uma pessoa naturalmente curiosa, acreditando sempre no poder do conhecimento para evoluir como líder.
Seu principal propósito é tornar o mundo melhor do que quando entrou nele, fazendo uso de qualquer ferramenta a seu alcance para fazer isso acontecer.
Sugestões para ler na sequência: