Juliana Ramalho

Juliana Ramalho

Talento Sênior

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Com nossa pirâmide etária, o Brasil não terá como abrir mão da nossa população ativa 60+ nas próximas décadas e nossa legislação já está preparada para isso.

Juliana Ramalho

Em 2023, mais de 4 milhões de trabalhadores com 60 anos ou mais estavam na informalidade. Esse número inclui aqueles que nunca tiveram carteira assinada e aqueles que se aposentaram e voltaram ao mercado como informais. A informalidade é o caminho para os 60+? Quais as barreiras para a permanência ou retorno dos 60+ ao mercado formal de trabalho?

Juliana Ramalho: O Brasil ainda está no início de sua adaptação à reforma trabalhista feita em 2015. Essa reforma traz muitas possibilidades de contratações formais além do padrão que as empresas estão acostumadas, que é de período integral com subordinação hierárquica e horário rígido. Essa é uma herança que temos da era industrial, mas que hoje é desnecessária à maioria dos negócios, pois estamos na sociedade de serviços, com funções facilmente assíncronas ou intermitentes. Contudo, o desconhecimento disso ainda é preponderante pelos empresários e há também o medo de não saber implantar as modalidades de contratações e sofrer processos trabalhistas. Assim, contratações que poderiam estar ocorrendo dentro da formalidade, gerando impostos e mais estabilidade para sêniores acabam por ficar na gaveta. E a formalidade não precisa ser “carteira assinada” apenas, pode ser o que chamamos de contratação PJ. Em suma, com nossa pirâmide etária, o Brasil não terá como abrir mão da nossa população ativa 60+ nas próximas décadas e nossa legislação já está preparada para isso. Resta apenas as empresas entenderem todas as novas formas de contrato formal e se disporem a evoluir o tipo de gestão (de modus operandi indústria para a revolução digital atual).
Cinco pessoas 60+ estão sentadas lado a lado. Em destaque um senhor de óculos e boné.

Pesquisas apontam que a resistência de manutenção e contratação dos 60+ são embasadas na ideia de que os mais velhos têm dificuldade com tecnologia e resistência para serem liderados por pessoas mais jovens. Isso é idadismo?

Juliana Ramalho: Tudo que coloca pessoas numa classificação homogênea induz a erro. Os 60+ são os jovens que se formaram sem computador e fizeram toda a revolução para computador pessoal, internet e smartphones. Então, pode-se dizer que fizeram a mudança mais radical. Portanto, dificuldade com tecnologia é relativo! O que ocorre na minha opinião pessoal é que todo ser humano só vai atrás de atualização quando lhe é conveniente. Quem permaneceu no trabalho foi se atualizando naturalmente, mas quem saiu e não buscou ativamente essa atualização agora sente dificuldade. Quando você tem pessoas próximas mais velhas que ficaram em casa e não se atualizaram, a mente vai associando esse comportamento individual a pessoas mais velhas e acaba ocorrendo uma generalização. Quando o exemplo é o contrário e pais e avós são inovadores e disruptivos, a associação é outra. Na minha casa, tenho pais muito ativos e antenados aos 84 anos, então talvez por isso eu não entendia a aposentadoria compulsória aos 60, quando conheci essa política. Na minha realidade, tirar a pessoa do trabalho por idade era sem sentido. Nossa mente cria vieses constantemente com o que temos por perto. Contudo, mídia, redes sociais e propaganda podem mitigar isso ou reforçar. No caso, a nossa mídia é jovem-cêntrica e acaba reforçando o culto ao jovem. Vem daí a polarização de jovem versus velho e o idadismo.

Quais as consequências do autoidadismo para a autoestima, performance, produtividade e engajamento dos 60+?

Juliana Ramalho: Eu adoro lembrar que associação entre a idade de 60 anos e aposentadoria foi uma decisão econômica para a criação de planos de pensão que buscavam injetar dinheiro na sociedade e gerar consumo – mas a partir daí se transformou na definição de velhice. Isso precisa ser ressignificado! Ser 60+ e ser velho não são sinônimos! E como dizer isso a pessoas que tiveram toda sua carreira ouvindo o contrário? Quem foi se acostumando com isso e não se impôs contra foi se “ajeitando” ao conceito e agora sofre por se ver com saúde e tempo livre mas não engajado com a sociedade. É necessário parar de associar 60 anos à velhice.

De qua maneira a Talento Sênior colabora para abrir espaço para os 60+ no mercado de trabalho?

Juliana Ramalho: A Talento Sênior se vê atuando nos dois lados: da empresa que ainda não conhece os benefícios da reforma trabalhista e pode contratar gente experiente em novos formatos além de período integral CLT e dos sêniores que também não estão completamente à vontade com essas novas oportunidades. Fazemos um trabalho de conscientização do modelo Talent As A Service, que pode englobar um executivo fracionado que se integra ao time mas não é integral, ou um executor freelancer, por projeto, por demanda específica.  Nossa oficina mais procurada é a de transformar Curriculum Vitae em Portfolio de Serviços. Usamos IA para ajudar nesse processo, que tangibiliza essa mudança: de carreira que depende exclusivamente da empresa que te empregue para a venda de conhecimento e experiência em múltiplas empresas.

Que mudanças legais precisam ocorrer para facilitar a entrada e manutenção dos 60+ na força de trabalho?

Juliana Ramalho: A maior mudança já está feita pois no Brasil temos formas de contratação acessíveis. Agora as empresas precisam ter disposição de ensinar seus gestores a sair do comando-controle tão usual no modelo industrial e engajá-los na revolução digital, onde as contratações podem ser flexíveis, assíncronas, por demanda e não por hora. Quando a liderança tradicional entende (pois as startups já nascem nesse mindset), aí RH, jurídico e área de compras precisam também rever seus processos e contratos. Obviamente uma diminuição de alíquota tributária em MEIs ou empresas individuais de pessoas acima de 60 anos ajudaria muito a trazer competitividade para esse nicho. Mas com a reforma tributária em andamento, isso fica longe de acontecer infelizmente.
Senhora de cabelos grisalhos, sorri

Que mudanças culturais precisam ocorrer para facilitar a entrada e manutenção dos 60+ na força de trabalho?

Juliana Ramalho: Todas as que já citei! Mas vamos começar desassociando 60 anos com velhice em primeiro lugar. Numa nova definição, de idade prospectiva, velho é quem está nos seus últimos 15 anos de vida. E o balizador não é a expectativa de vida média e sim a sua, individual. Hoje muitos sabem que podem chegar facilmente a 100 anos. Que lógica tem entrar na categoria de velho aos 60?

Qual a importância e vantagens de investir em equipes intergeracionais?

Juliana Ramalho: Dado o poder de consumo da população 60+, é fundamental que eles façam parte da equipe criativa que cria produtos e serviços, que atende, que negocia e que gerencia uma empresa. A máxima “nada sobre nós sem nós” vale para esse nicho que tem cada dia mais poder de escolha entre marcas. É questão de sobrevivência atender bem esse público!  E internamente, há diferenças de estilo de gestão entre jovens e mais velhos, pelo fato incontestável de que anos de experiência aumentam percepção de contexto, de análise de impacto e consequências e há uma evolução do foco em si para foco em grupo. Isso está num estudo publicado pela Revista MIT Sloan Management (na edição brasileira chama “Mais velho, mais sábio? Como o estilo de gestão varia com a idade”).

Dado o poder de consumo da população 60+, é fundamental que eles façam parte da equipe criativa que cria produtos e serviços, que atende, que negocia e que gerencia uma empresa.

Quais aprendizados a Talento Sênior pode compartilhar com a iniciativa privada?

Juliana Ramalho: O primeiro é a contratação acessível e desburocratizada que se tornou possível com a reforma trabalhista deve ser entendida e utilizada, favorecendo economia para as empresas e geração de renda em geral. O segundo é que o mix de idades deve ser provocado intencionalmente se não está acontecendo naturalmente. E se realmente a diversidade não está ocorrendo, avaliar as causas pode revelar um diagnóstico de falta de inovação geral, o que pode estar gerando perda de oportunidades ou produtividade. E além do segmento de empresas, o setor universitário precisa desenvolver vestibulares específicos para o segmento 50+ e facilitar o acesso a cursos de formação. Uma nova carreira mais atenta às novas tecnologias, problemas mundiais e necessidades atuais pode ser iniciada aos 50, com perspectiva de 30 anos de atuação.

Quais aprendizados a Talento Sênior pode compartilhar com setor público?

Juliana Ramalho: Trabalho e geração de renda trazem impactos não só para o consumo, mas na visibilidade da população 60+, elevando sua dignidade e autoestima, provocando atividade física e tudo isso é impacto em saúde. Sênior ativo é sênior longe de hospital. Essa conta precisa ser feita para gerar investimentos na atualização dos 60+, mais vagas em universidade e cursos profissionalizantes com posterior economia na saúde. 

O mapeamento reúne mais de 400 iniciativas de todos os setores que estão ajudando a repensar a longevidade no Brasil. O que precisa acontecer para que a sociedade crie mais demanda por soluções que viabilizem e valorizem as contribuições de pessoas de todas as idades?

Juliana Ramalho: Essas 400 precisam virar fonte de informação e referência para outras 1.200, que vão viabilizar outras milhares e assim vai. Exemplos reais, com resultado e compartilhamento, arrastam multidões. O problema é que essas 400 estão cortando mato alto e às vezes o resultado demora a vir. São elas que estão gastando mais em desenvolvimento de tecnologia, de criação de demanda, de conscientização sobre mercado e produto. A vanguarda tem um custo muito alto e, portanto, deveriam ter mais suporte e capital de risco, inclusive da filantropia. Mas com o sucesso dessas, os exemplos vão arrastar uma seguinte geração e a bolha se tornará um tsunami. No caso da longevidade, não estamos falando de modismo porque tem bases econômicas concretas. Em 2060 serão 70 MM de pessoas 60+ ou 40MM de pessoas idosas pelo critério de idade prospectiva. Está em jogo um poder aquisitivo de trilhões, não há como ignorar ou fugir.

Você se identifica como uma agente de transformação do mundo? Se sim, como é envelhecer nesse papel?

Juliana Ramalho: Eu faço meu papel de agir, através de ações práticas, e com isso, construir nova mentalidade. Eu me divirto em muitas ocasiões olhando para premissas da sociedade e me perguntando: de onde veio isso? Deixa eu descobrir quem ou o que fez surgir esse conceito ou essa prática. E no intuito de criar um novo futuro me descobri um pouco historiadora, um pouco antropóloga e tudo isso me leva todo dia a um melhor eu. Até meu papel de mulher numa sociedade que há pouco nos excluía pela lei, eu ressignifiquei por estudar longevidade. Então ser agente de transformação é enfim ser estudante, de muitas disciplinas e através de muitos olhares.
Juliana Ramalho

Sobre Juliana Ramalho

Juliana Ramalho é CEO da Talento Sênior – empresa de Talent as a Service, que atua na contratação de profissionais 45+ sob demanda – e sócia-fundadora do Grupo Talento Incluir – um ecossistema da diversidade e inclusão pioneiro no Brasil. Além das operações da consultoria, é responsável por inovação, tecnologia e expansão internacional. 

Com 20 anos de experiência no mercado financeiro, passou por diversas áreas no banco Santander, incluindo a superintendência de área de estratégia. É formada em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica – USP, pós-graduada e MBA pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – USP e MBA internacional na Columbia Business School, em NYC e com Formação Executiva em Mercado da Longevidade pela FGV. Co-autora do livro Economia Prateada — Inovações e oportunidades com foco em seniores, finalista brasileira do Prêmio da Fundação Mapfre em Inovação Social 2023 e vencedora em Primeiro lugar no Prêmio Sebrae Mulher de Negócios, pelo Estado de São Paulo, na categoria Pequenos Negócios (2023).

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